Christine Ourmières-Widener “não compreende, nem aceita, que no decorrer do processo negocial”, que levou ao pagamento da indemnização a Alexandra Reis para sair da TAP, nenhum dos envolvidos tenha tido dúvidas sobre a legalidade do acordo, nomeadamente os consultores jurídicos das duas partes e os representantes do Governo, como os então ministro das Infraestruturas e o seu secretário de Estado.

Este é um dos argumentos que a agora ex-presidente da TAP apresenta no contraditório ao relatório da Inspeção Geral de Finanças e que é fatal para a decisão do Governo de a demitir. De facto, aquilo que hoje todos dizem, com a maior das naturalidades, que era obviamente ilegal, não foi na altura visto por ninguém como ilegal. E se o presidente do Conselho de Administração não cumpriu cabalmente as suas funções ao se ter limitado a informar a tutela sectorial, a CEO da TAP fez aquilo que sempre tinha feito: tratou com o ministro das Infra-Estruturas e com o secretário de Estado.

O Governo escolheu a solução politicamente barata, que lhe vai sair cara. Aproveitou esta oportunidade para se ver livre da CEO que fez todo o trabalho difícil de reestruturação e tinha agora a difícil tarefa de pacificar a empresa, sem que nunca tivesse contado com um “chairman” que fizesse o trabalho que, por exemplo, foi desempenhado por Miguel Frasquilho.

Os ministros das Finanças Fernando Medina e das Infraestruturas João Galamba compraram a paz social da TAP, “despedindo” a CEO, como aliás se viu de imediato pelas reações dos sindicatos a elogiarem a decisão e o substituto. Mas essa transacção, assim como toda a táctica de desresponsabilização política, tem um enorme risco. O ministro das Finanças tem poucas responsabilidades quanto ao que se passou até aqui, mas a partir de agora tem às suas costas o peso de uma decisão que poderá sair cara à TAP.

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Uma gestora profissional, que tem como espaço de trabalho o mercado global, e não este cantinho que é Portugal, não pode permitir ter no seu curriculum que foi despedida de CEO da TAP com justa causa. Qual foi a justa causa? Ter tomado uma decisão que está apoiada em advogados e tem o aval do accionista? E como é que se pode dizer que os governantes que deram o aval não podem ser responsabilizados financeiramente, porque actuaram tendo o suporte de sociedades de advogados de renome, e essa mesma regra não se aplica à CEO que assinou uma decisão em nome do accionista – já que os cargos de administração são reserva de competência dos accionistas.

O caminho da privatização da TAP vai inevitavelmente ser manchado por processos judiciais interpostos pela agora ex-CEO. Se os outros administradores, como o “chairman” e Alexandra Reis, vivem em Portugal e daqui não querem ou não podem sair, precisando por isso de pacificar os poderes e a opinião pública, Christine Ourmières-Widener não precisa disso. Pelo contrário, tem de demonstrar que a justa causa é uma causa injusta. E isso vai desvalorizar inevitavelmente a TAP que se põe à venda com uma responsabilidade no balanço, a responsabilidade de pagar uma choruda indemnização à agora ex-CEO da TAP.

Este caso da TAP revela ainda o quão perigoso é ser presidente ou administrador de uma empresa pública. Mesmo quando as decisões têm validação da tutela, os administradores das empresas públicas correm um risco muito sério de se verem sozinhos e pendurados no pelourinho da praça pública, enquanto nada acontece aos governantes que lhes deram o conforto da decisão.

Sim, é verdade que Pedro Nuno Santos se demitiu e que se não o tivesse feito na altura teria inevitavelmente de se demitir agora – é claro, no relatório da IGF, que autorizou o pagamento da indemnização, exercendo o poder de acionista e não informando as Finanças. Assumiu alguma responsabilidade, ao sair do Governo, mas o preço que paga é praticamente nulo. Antecipou bem o que lhe poderia acontecer e saiu de cena podendo ambicionar outros voos. Tem pelo menos o mérito de ter assumido, porque o pior de tudo é ver toda uma equipa das Finanças a dizer que nunca soube de nada quando, para se considerarem competentes para o lugar, deveriam saber. Estamos a falar do então ministro das Finanças João Leão, do ex-secretário de Estado Miguel Cruz e ainda do secretário de Estado João Nuno Mendes. No Governo, como lamentavelmente em muitos casos da vida portuguesa, quanto menos se souber e decidir, melhor, menos riscos se corre.

Alguma coisa tinha de ser decidida desta vez. E a decisão foi decidir que o “chairman” e a presidente da TAP é que tinham a culpa. Felizmente um dos protagonistas não é português e não precisa de se dar bem com a elite portuguesa para ter emprego, é mais livre e tem o mundo como mercado de trabalho. E graças a essa liberdade e necessidade a TAP corre o risco de nos sair ainda mais cara.