A Constituição portuguesa estipula, no ponto 1 do artigo 123, que “não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo”. Por isso, é inquestionável que a corrida ao palácio de Belém se torna mais apetecível após o segundo mandato presidencial. Uma situação que se aproxima a passos largos.

Daí que a praça pública se veja inundada de proto ou pré-candidatos. Alguns por iniciativa própria. Outros por voz alheia, mais ou menos autorizada. Em ambas as situações sempre de forma tanto mais cautelosa quanto maior for a probabilidade que julgam ter de chegar à presidência.

Como decorre da vida habitual, para além de candidaturas que para pouco mais servem do que para divertir o eleitorado ou garantir tempo de antena para agitar – em sentido real e figurado – as bandeiras do respetivo partido, é no espaço político do Partido Social Democrata (PSD) e do Partido Socialista (PS) que o corropio se faz sentir com mais intensidade.

A história mostra que o sentido de antecipação pode resultar, como aconteceu aquando da eleição de Jorge Sampaio, mas também aponta situações em que o anúncio da intenção de se candidatar pecou por precocemente extemporâneo, acabando por prejudicar o candidato. Conhecedores dessa faca de dois gumes, os proto e os pré-candidatos desdobram-se para conseguirem o máximo possível de mediatismo. Mesmo aqueles que dispõem de espaço próprio de comentário nos meios de comunicação social – e que, logicamente, estão numa situação de vantagem – não enjeitam a oportunidade de serem vistos sempre que o evento ou as personalidades presentes constituam um bom cartão de visita no sentido do reforço da credibilidade. Como o povo proverbia: «Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és».

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Uma realidade que vale tanto para os candidatos da área socialista como do espectro social-democrata, pois, desde 1986 que o vencedor tem saído de uma destas famílias. A Constituição só estipula que “as candidaturas para Presidente da República são propostas por um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores” – artigo 124, ponto 1 –, mas, na realidade, mesmo quando entregam o cartão partidário, os candidatos, tal como os eleitores não esquecem as origens partidárias dos primeiros.

Daí o frenesim que grassa junto das proto e pré-candidaturas de figuras militantes ou próximas desses partidos. Que o digam, António José Seguro, depois de uma década de apagamento político; Mário Centeno, com renovação incerta à frente do Banco de Portugal; Augusto Santos Silva, falhada que foi a eleição para deputado depois de uma presidência pouco consensual da Assembleia da República; Luís Marques Mendes, o comentador apostado na revisitação da estratégia de Marcelo Rebelo de Sousa, que liderou o PSD, durante dois anos, mas sem conseguir disputar legislativas; e Pedro Santana Lopes, o fugaz primeiro-ministro que, no entanto, ganhou prestígio à frente das câmaras de Lisboa e da Figueira da Foz.

Nesta enxurrada de nomes, Paulo Portas perdeu fôlego na corrida presidencial, malgrado o mediatismo televisivo que está a granjear, uma vez que Luís Montenegro já deixou clara a preferência por um candidato da sua área política. Leia-se: do seu partido. Candidato que, tudo leva a crer, não será Pedro Passos Coelho, o único que teria o dom de aglutinar a direita ao seu redor e de unir a esquerda contra si, nem Aguiar-Branco, ainda numa espécie de estágio para o mérito.

No entanto, a próxima corrida presidencial pode trazer uma novidade. Na verdade, depois de o general Ramalho Eanes – um Presidente de «boa memória» – ter deixado o cargo, nenhum outro militar viria a posicionar-se como candidato passível de chegar à presidência. Uma regra que corre o risco de se ver obrigada a conviver com uma exceção, pois a candidatura presidencial do almirante Gouveia e Melo parece na calha.

Algo que, no entanto, não deve ser visto como um regresso ao passado, ou seja, à primeira eleição presidencial, quando três dos quatro candidatos – Ramalho Eanes, Pinheiro de Azevedo e Otelo Saraiva de Carvalho – eram militares. Nessa altura, ao contrário de hoje, estava em vigor o segundo Pacto MFA-Partidos, que, como defendeu André Gonçalves Pereira, tinha implícita uma cláusula militar no sentido de ser um militar a ocupar a presidência da República.

Sendo certo que os portugueses desconhecem o pensamento político de Gouveia e Melo, não é menos verdade que aquele que Adriano Moreira designava como «o almirante das vacinas» dispõe de um ativo assinalável por conta da forma como conseguiu levar a bom porto a campanha de vacinação contra a Covid 19. Algo que preocupa os outros proto e pré-candidatos. A eventual indigitação partidária e alguns estudos de opinião que vão sendo conhecidos não se revelam suficientes para os tranquilizar face ao receio de não passarem à segunda volta. Por isso, é bem provável que vários deles desistam, obviamente a contragosto não assumido, da corrida presidencial.

Como decorre da vida habitual, a fartura não tardará a transformar-se em carência.