A vida dá muitas voltas. Que o diga Marcelo Rebelo de Sousa. De facto, depois de uma vida a militar no PPD/PSD, partido que chegou a liderar sem grande sucesso, ao ponto de não ter concorrido a São Bento, acabaria por chegar a Belém, apesar de o então líder do seu partido, Pedro Passos Coelho, o apelidar de catavento.

Um sucesso explicável, em grande parte, pela circunstância de Marcelo ter sabido tirar proveito da longa exposição mediática enquanto comentador. Prova provada de que num país envelhecido a televisão continua a ser imprescindível para a formação da opinião pública. Daí que muitos militantes e apoiantes dos partidos conotados com a direita tenham colocado a cruz no boletim de voto independentemente da posição das respetivas lideranças. Marcelo Rebelo de Sousa, tal como a pescada, antes de ser já o era. Presidente, obviamente.

Uma decisão de que alguns eleitores se viriam a arrepender quando perceberam que o novo Presidente se mostrava totalmente disponível para servir de seguro de vida da geringonça costista. A estabilidade governativa de um governo minoritário apoiado por partidos populistas não justificava, aos olhos desses eleitores, que Marcelo se prontificasse para assumir as dores governamentais. Só que a omnipresença marcelista ofuscava tudo e todos. Por isso, a sua popularidade demorou a dar sinais de declínio. Até à quarentena que, por vontade própria, decretou a si mesmo, antes de o fazer ao país.

Nessa conjuntura, começaram a surgir vozes nesta zona do espectro político a murmurar que Marcelo deveria ter um competidor à altura quando decidisse anunciar aquilo que todos os portugueses já sabem, ou seja, a recandidatura. Alguém que não se limitasse a gritar um populismo antissistema e identitário. Um murmúrio muito ténue porque os proponentes da ideia não desconhecem que em Portugal todos os Presidentes foram reeleitos. Por isso, não se afigura fácil a descoberta de um cordeiro – salvo seja – disponível para ser imolado.

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Porém, quando essas vozes começaram a tornar-se audíveis devido ao desgaste provocado por um desempenho presidencial cada vez mais solidário com as hostes socialistas, António Costa viu a oportunidade de manter o protagonismo que tem conhecido nos últimos tempos. Algo que lhe tem alimentado o ego.

Por isso, aproveitou a ida conjunta à Autoeuropa para avançar o seu apoio à recandidatura marcelista. Verdade que não o fez de uma forma ostensivamente clara. A sua atitude habitual. No entanto, não deixou dúvidas sobre quem será o candidato presidencial do Partido Socialista. Mesmo que o Largo do Rato decida não assumir explicita e oficialmente esse apoio. Uma realidade que Ana Gomes percebeu de imediato. A longa militância no PS já lhe permite ler nas entrelinhas, sobretudo quando estas são tão inequívocas. Daí a decisão de não concorrer a Belém.

Face a esta gaffe intencional de António Costa, Marcelo resolveu apanhar a onda e confirmou a sua recandidatura. Uma reação espontânea, segundo alguns. Uma reação racional. segundo outros. Aqueles que levam em linha de conta que uma parte considerável do eleitorado de centro e de direita deixou de se rever no desempenho marcelista. Uma forma de dizer que os votos dessas tendências não serão suficientes para garantir a eleição de Marcelo à primeira volta.

A abstenção e os votos brancos irão penalizar Marcelo, pois não será preciso esperar pela campanha eleitoral para saber que os populistas de esquerda – PCP e Bloco de Esquerda – irão apostar em candidatos próprios. A vida habitual. A primeira volta vista como uma oportunidade para agitar as bandeiras habituais: a luta contra o capitalismo e a pertinência das nacionalizações. Depois, na segunda volta, o rio voltará, ainda que contrariado, a correr no leito.

Da Autoeuropa Marcelo saiu com a certeza de que continuará em Belém. Uma realidade que nunca colocou em dúvida. Só que também percebeu que a sua reeleição será lograda à custa de uma alteração da base de apoio. Aos olhos dos portugueses Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser o candidato do Partido Socialista. O período de coabitação já acabou.

A vida, por vezes, encarrega-se de escrever direito por linhas tortas. Inclinadas para a esquerda.