Todos os dias temos a sorte de contar com milhares de entidades da economia social que trabalham longas horas com um objetivo: resolver problemas que afetam populações em risco, em situação vulnerável e de exclusão.
Cerca de 5.500 destas entidades têm o estatuto de Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), o que permite celebrarem contratos com o Estado, através dos quais prestam serviços junto destes segmentos da população. Por exemplo, todos os anos são cerca de 1,4 mil milhões de euros que o Estado português paga através destes contratos na área da proteção social (Acordos de Cooperação) que correspondem, na maior parte, a respostas pré-definidas que as IPSS têm de cumprir.
Existem três desafios no formato atual destes contratos: (1) não sabemos se estão efetivamente a ser canalizados para serviços que funcionam; (2) não incentivam a inovação, pois grande parte dos serviços está pré-definida; (3) não conseguem dar resposta a todos os problemas, pela limitação do financiamento, deixando de fora outras respostas viáveis.
Uma proposta para resolver estes desafios é adotar uma contratualização por resultados (ou pagamento por resultados). Esta é uma tendência internacional que cada vez mais países estão a utilizar na interação entre o Estado e entidades que prestam serviços de apoio social. Como funciona?
- O Estado define, em conjunto com parceiros relevantes, as suas prioridades em cada temática. Por exemplo, define como prioridade a promoção da empregabilidade de pessoas com deficiência.
- Definem-se os resultados que informam o cumprimento, ou não, dessa prioridade. Por exemplo, no caso da empregabilidade de pessoas com deficiência: integração no mercado de trabalho; manutenção de situação de empregabilidade durante 12 meses.
- O Estado apenas paga por resultados, no momento em que estes acontecem e mediante comprovativo de cumprimento. Caso não aconteçam, o Estado não paga.
Estes três passos contêm elementos importantes: inovação, incentivos, evidência e value for money.
O foco em resultados promove a inovação. A entidade sabe que será paga pelo resultado (e não pelo serviço), permitindo experimentar novas linhas e componentes de serviço, customizar os serviços a cada beneficiário (e não assumir que são todos iguais), aprender com o que funciona e repetir, identificar o que não funciona e parar de fazer. Neste sentido, as entidades são incentivadas a procurarem novas formas de trabalhar.
Para quem presta o serviço, existe um risco que é, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Dado que são pagas com base nos resultados que alcançam, as entidades prestadoras de serviços de apoio social têm uma estrutura de incentivos alinhada com o pagador (Estado). Por um lado, têm o risco de não conseguirem alcançar o resultado – colocando todo o esforço nesse sentido. Por outro, têm a oportunidade de se distinguirem de outras entidades no mesmo domínio temático – por se tornarem mais eficientes a alcançar resultados.
Se o pagamento estiver correlacionado com os resultados, será mais fácil aprender sobre o que funciona e o que não funciona. Novos serviços serão criados que poderão ser mais eficientes que serviços tradicionais. Alguns serviços funcionarão melhor junto de determinados segmentos do que de outros. Essa informação, se tornada pública, incentivará a uma maior transparência e ao aparecimento de respostas cada vez mais eficientes e eficazes. Gera-se base de evidência que é fundamental para informar política pública.
Ao pagar por resultados, o Estado paga pelo que funciona e aloca os seus recursos financeiros de forma mais eficiente. Além disso, é no resultado (resolução do problema) que existe valor para o Estado (por exemplo, alocação mais eficiente de recursos se menos pessoas com deficiência estiverem em situação de desemprego).
Apesar do aumento, a nível internacional, de serviços sociais públicos que são contratualizados com base em resultados, existem vários obstáculos que devem ser tidos em conta:
- Para pagar por resultados, é fundamental existir informação que permita colocar um valor económico nos resultados que contribuem para a resolução de problemas. A forma de conseguir chegar a essa informação será através do cálculo do investimento que o Estado faz na resolução destes problemas, quando estes acontecem. Por exemplo, em Portugal, a comparticipação mensal do Estado por cada criança e jovem em risco que é institucionalizado é de 700 euros por mês. Uma entidade que preste serviços que previnem a institucionalização de crianças e jovens em risco poderá poupar esse montante, servindo de referência para o valor a pagar pelo resultado “evitar a institucionalização de crianças e jovens em risco”.
- O tempo que leva a que um determinado resultado aconteça pode ser incomportável por parte da maioria das entidades da economia social que não conseguem trabalhar durante alguns meses e apenas receber um pagamento quando o resultado acontece, caso aconteça. Existem várias formas de contornar essa situação: por um lado, o pagamento por resultados pode representar apenas uma parte da contratualização, existindo um modelo híbrido entre pagamento por serviço (por exemplo, 60% do valor total) e pagamento por resultado (restantes 40%); outra forma de mitigar esta situação é através de instrumentos como os Títulos de Impacto Social, em que investidores avançam com o financiamento inicial e são mais tarde reembolsados, no momento de pagamento por resultados.
- Prestadores de serviços podem fechar os olhos à qualidade do serviço e focar-se em alcançar os resultados independentemente da qualidade com que são alcançados. Para mitigar este tipo de situações, as entidades públicas devem exigir standards de qualidade, precaver situações de manipulação na obtenção de resultados e criar indicadores que incentivem os prestadores a trabalhar com os beneficiários em situação mais complexa (isto é, aqueles que mais dificilmente alcançam os resultados definidos).
A adoção de contratos por resultados deve acontecer de forma gradual e nunca será a única forma de contratualização entre o Estado e as entidades que trabalham no terreno (várias respostas sociais não se coadunam com um modelo de contratualização por resultados). No entanto, a proposta de valor é inegável: alocação de recursos de forma mais eficiente, pagamento pelo que funciona, promoção de transparência, incentivos à inovação e criação de evidência.
Muitas das entidades que prestam atualmente serviços aos segmentos mais vulneráveis da nossa sociedade vão beneficiar de um maior foco em resultados, enaltecendo o impacto social que criam todos os dias. Novas entidades, que aguardam a oportunidade de provarem que as suas soluções podem contribuir para a resolução de problemas sociais, poderão beneficiar e tornar o setor mais dinâmico, com um modelo de governance mais robusto e melhor prestação de contas.
Mais importante ainda, os principais beneficiários de um maior foco em resultados serão os 19% dos portugueses que vivem em risco de pobreza (ou os 46%, se considerarmos antes de qualquer transferência social). Enquanto sociedade, o nosso desenvolvimento será medido, não pelos serviços de apoio que prestamos, mas pelos resultados que esses serviços alcançam.
António Miguel, 31 anos, é fundador do Laboratório de Investimento Social, uma associação sem fins lucrativos que promove novas formas de financiamento e capacitação para projetos de inovação social, e é professor de Microfinance and Impact Investing na Nova SBE. Integrou os Global Shapers em 2014.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.