Tornou-se um lugar comum dizer que a democracia nos países europeus está em crise. Alega-se que nasceram e cresceram, nos diferentes estados, movimentos populistas e extremistas (acrescento, tanto à direita como à esquerda), muitos com assento parlamentar. Os que não têm poder institucional suficiente, têm apoio popular que os legitima, acabando por transformar as agendas políticas dos partidos moderados com propostas mais arrojadas e, essencialmente, com propostas discriminatórias. Da direita vem um nacionalismo exclusivista, da esquerda a radicalização da igualdade.

Numa democracia, estas expressões são tão legítimas como quaisquer outras – o que não quer dizer igualmente toleráveis. O estado de direito permite que qualquer força ideológica se possa expressar em igualdade de circunstâncias. E, quer queiramos quer não, os movimentos populistas e extremistas (não têm de ser uma e a mesma coisa) surgem em momentos de profunda crise social. Desde 2008 que a Europa já não é a Europa da prosperidade nem da solidariedade. Desde 2013 que a Europa se debate com crises migratórias – que dão azo a todo o tipo de preconceitos muito facilmente instrumentalizáveis e a ataques híbridos de países terceiros. Desde 2019 a Europa passou a ser tão permeável a problemas de saúde pública como qualquer outro continente. E a pandemia demonstrou ainda que as nossas desigualdades sociais são acentuadas e as nossas liberdades frágeis. As populações estão cada vez mais descrentes da bondade dos partidos políticos, e cada vez mais atentas a comportamentos erráticos, nomeadamente no que respeita à corrupção e à resposta da justiça.

A todas estas questões junta-se uma outra de que pouco se fala na imprensa: a crise institucional que a chegada de um sem número de pequenos partidos trouxe para os estados. Se até à década passada havia uma certa estabilidade na estrutura político-partidária, ela estilhaçou-se, dando lugar a um fenómeno a que chamamos fragmentação.

A definição é evidente: num espaço político ocupado por forças tradicionais e mais ou menos estáveis, há agora dois problemas: o da imprevisibilidade e o da governabilidade.

A imprevisibilidade está em dois domínios: o eleitoral – os eleitores dos partidos de protesto são extremamente voláteis, o que faz com que os números mudem de eleição para eleição – e ao nível da constituição parlamentar. Os pequenos partidos impedem maiorias absolutas e passam a ser parte da decisão das coligações que as substituem. Evidentemente, este problema tem características mais vincadas em sistemas semipresidencialistas e parlamentares, que dependem de coligações para governar com estabilidade.

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Tem sido adotada uma de duas soluções: a constituição de blocos de esquerda e de direita que no seu conjunto cheguem à maioria. É o caso da coligação “Frankenstein” em Espanha que junta todos os partidos de esquerda, mesmo os dos extremos e os separatistas. Esta solução tem dois riscos enormes: a normalização dos extremismos e a consolidação de um falso sistema bipartidário. Nos tempos que correm vamos sabendo que um sistema de dois blocos – ou dois partidos quase-únicos – vem com um risco de substituir a fragmentação pela polarização, um fenómeno que me parece bem mais perigoso e difícil de combater.

A outra possibilidade são as coligações entre partidos do centro político. É o caso da Alemanha, que neste momento é governada pela coligação “Semáforo” (sociais democratas, liberais e verdes), mas foi por muitos anos liderada pela “Grande Coligação” que unia democratas cristão e sociais democratas. Esta solução também não é perfeita. Os “blocos centrais” são tendencialmente estáticos e tendem a esbater as opções políticas. Aqui o que pode acabar por acontecer é a criação de uma grande indiferença pública em relação à política, que se torna uma sucessiva repetição do que já foi, e deixa os eleitores sem opções reais.

Nenhum dos cenários é famoso. Mas é destas questões de ideologia e governabilidade que deve ser feito o debate na Europa. Se sobre a primeira têm corrido rios de tinta, sobre a segunda pouco de fala. E não devia ser assim. A institucionalização das questões políticas dá-lhe um cunho de durabilidade e legitimidade que não volta atrás. Daí a importância de pôr estes temas em cima da mesa o mais brevemente possível.