Há uns anos, quando ainda havia blogues, tive para aí uma coisa chamada Geração de 80, felizmente desaparecida, feita em conjunto com uma série de gente, anónima como eu, nascida naquela década. Os blogues caíram em desuso, aquele em particular nunca teve sucesso algum e eu, por ter um estúpido hábito de dizer e escrever mais do que devo, ainda consegui, apesar do insucesso daqueles textos, ter alguns dissabores por causa deles – e acabou por ser eliminado para todo o sempre e sem deixar qualquer rasto.

Lembro-me, de há uns tempos a esta parte, e por causa de um podcast do Expresso com o mesmo nome, daquele nosso publicamente infrutífero Geração de 80, e recordo-o hoje depois de ter lido o texto que Helena Matos aqui publicou no passado domingo e a que deu o título de «O povo do meio».

Aquele nosso blogue surgiu da minha parca cabeça e da infeliz ideia de que nós seríamos a geração seguinte. Nasci exactamente a meio da década de 1980, tinha 30 anos em 2015, e, no final da primeira década do século XX, acreditei que daí a dez anos a palavra mais forte seria a dos meus companheiros de geração. Estupidez minha, naturalmente.

A geração de 80, formada nos anos raros e dourados da década seguinte, chegou ao mercado de trabalho a tempo do furacão da crise financeira de 2008. Não voltou, desde que começou a trabalhar, a conhecer um tempo social, político e económico parecido com o que lhe prometeram quando ainda andava a estudar. Teve, entre nós, o seu pináculo de intervenção social com a manifestação da geração à rasca, em 2011, já com o país falido, ajudou a fazer cair um Governo em decadência, e foi trabalhar, boa parte dela em países onde, por exemplo, dar emprego a 100 pessoas não é visto como um pecado e onde ainda é possível ter uma carreira ascendente e altamente remunerada sem precisar de conhecer fulano ou beltrano (ou onde isso é, pelo menos, mais acessível do que em Portugal).

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A geração de 80 desapareceu, por isso, do radar. Foi usada como arma política entre 2011 e 2015 e totalmente esquecida entre 2016 e 2024, porque a mediatização da emigração já não despertava tanto interesse à esquerda e à imprensa, passe a redundância. Tem, naturalmente, os seus representantes nas artes, no espectáculo, até mesmo nos partidos políticos, mas parece sempre a geração subalternizada, sem voz pública – e até já, em certa medida, ultrapassada pela geração seguinte, a de 90, que vai recuperando espaço mediático-informativo e parece mesmo já lucrar algo em termos de políticas públicas com a sua ascensão. Veja-se, a propósito, a atribuição de benefícios fiscais a quem tem menos de 35 anos. Entre o momento da crise e o presente, ficou uma geração inteira que trabalhou em crise, que procurou a sua vida lá fora, que se tem matado a trabalhar para sobreviver cá dentro, que não teve políticas públicas que a beneficiassem, aprisionada pela defesa dos agora mais em desuso «direitos adquiridos», sempre em prejuízo dos direitos do futuro – nas pensões, como recordou Helena Matos, nas rendas congeladas, nos direitos laborais, etc., houve aqui um salto de, pelo menos, dez anos, que consolidou os mais velhos em prejuízo dos mais novos. E agora, com um Governo em permanente campanha eleitoral e que teme a fuga do voto jovem para o Chega, são ainda atribuídas umas migalhas à nova geração. Pelo caminho ficou, como indica a feliz expressão de Helena Matos, «o povo do meio».

É até sintomático que o Expresso, na descrição que faz do podcast Geração de 70, escreva que aquela é «a geração que está aos comandos do país ou a caminho» e na descrição do Geração de 80 se limite a perguntar se «os anos 80 deram ao mundo a melhor colheita de sempre». A resposta é evidente: não deu, na medida em que, regra geral, as colheitas seguintes são sempre melhores que as anteriores (salvo, talvez, para alguns soixante-huitards que ainda julgam que foram eles o pináculo da humanidade). Mas é significativo que quem está hoje entre os 35/36 e os 44/45 anos permaneça num vácuo político e público desta dimensão. São os pais e mães com filhos em idade escolar pré-universitária, são a grande força laboral das empresas, lá fora chegam mesmo a chefes de Governo (Áustria, Finlândia, por exemplo), mas por cá não parecem ter lugar à mesa do debate público, restando-lhes o entretenimento e o espectáculo, onde ainda podem ter espaço – e, claro, os partidos, se por lá se começar bem cedo uma carreira de sim, senhor.

O que é que aconteceu, afinal, para que a primeira geração de liberdade, sem constrangimentos histórico-ideológicos, a primeira geração pós-revolucionária, se tenha deixado cair neste buraco de onde, acredito, se vê já Portugal apenas como um definitivo fracasso? Somos nós a geração colectivamente falhada por completo ou a que, por força da História e da acumulação de crises, teve de se virar para si e acabou a demitir-se do espaço público? Somos só o povo do meio, permanentemente entalado entre os que estão e os que hão-de estar, ou, por outro lado, somos nós o retrato do Portugal que podia ter sido, não foi e provavelmente já não será?