1 O paradoxo social
Ninguém duvida que são sempre os grupos mais desfavorecidos aqueles que mais sofrem nos períodos de crise, tal como aconteceu de 2011 a 2015 na sequência do Acordo de Resgate assinado pelo Governo Socialista e tal como sucedeu de 2020 a 2021 devido à pandemia. Consequentemente, espera-se que os Governos, cujos programas prometem mitigar as desigualdades sociais, apostem, após tais períodos, nas duas áreas que mais podem contribuir para criar melhor futuro para as periferias sociais: a Saúde Pública (SNS) e a Escola Pública.
Ora, em Portugal, a partir de 2015, aconteceu o oposto, pois estes dois setores foram aqueles em que mais se desvalorizaram os seus profissionais, os quais são a seiva fundamental para o seu relançamento, pelo que nestas breves linhas se reflete sobre a Saúde e em próximo artigo sobre a degradação da Escola Pública.
2 SNS: a incapacidade de investir
São numerosos os estudos que têm apontado os conhecidos problemas de gestão e de organização do SNS, desde a falta de formação em gestão à complexidade organizacional e aos deficientes sistemas de informação até para marcar simples consulta em centro de saúde, mas aqui assinala-se a manifesta incapacidade de concretizar os necessários projetos de investimento bem necessários para modernizar o SNS. Na verdade, ao longo destes últimos anos não se lançaram os desejáveis projetos de apetrechamento dos Centros de Saúde ou das Unidades de Saúde Familiares (kits de análises, Rx, etc), que teriam custo global comportável e que tanto iriam melhorar a rede de cuidados primários e que tanto iriam aliviar as dramáticas urgências hospitalares. Mas também outros projetos emblemáticos como o novo Hospital de Lisboa Oriental (ex- Hospital de Todos os Santos) permanecem no papel. Mas o que é mais surpreendente é que esta paralisia não é devido a falta de orçamento de investimento, pois segundo os dados da DGO (Ministério das Finanças), a percentagem de investimento executado pelo Ministério da Saúde não atinge os 60%!
3 SNS: a degradação salarial
No dia em que escrevo este artigo está a realizar-se nova greve de médicos, após outra que tantos danos causou aos mais pobres, pelo que é oportuno comparar os níveis salariais e a sua evolução face a Espanha que é o nosso vizinho e face ao Reino Unido, já que muitos profissionais de Saúde têm escolhido esse destino. Os dados estão disponíveis no Health at Glance da OCDE de 2023, disponível em https://stats.oecd.org/Index.aspx?ThemeTreeId=9 seguindo: «Health» Healthcare resources» Remuneration of Health Professionals, pelo que se apresenta seguidamente em Paridades de Poder de Compra (Consumidor) o quociente entre o salário médio dos enfermeiros hospitalares, dos Médicos não Especialistas, e dos Médicos Especialistas para Portugal face a Espanha e face ao Reino Unido em 2011 e 2021:
Estas estatísticas, que já têm em conta as diferenças entre os níveis de preços dos três países, confirmam que as políticas salariais adotadas para o SNS partem de início bem desfavorável e, em vez de mitigar esse início, têm vindo a acentuar tais assimetrias, seguindo rota de divergência em relação aos outros, pelo que não surpreendem os milhares de profissionais que abandonam o SNS.
4 O paradoxo político
Como é evidente, é inevitável a degradação do SNS quando se acentua a estagnação dos investimentos e a degradação salarial dos seus principais profissionais, pelo que se acentuam as desigualdades sociais entre aqueles que só podem contar com o SNS e os outros que beneficiam de seguros de saúde, estimando-se que este grupo já se aproxima de 40% da população, apesar das conhecidas dificuldades económicas. Em suma, sabendo-se que o SNS é vital para reduzir as nossas desigualdades sociais, agravadas pelo resgate e pela pandemia, esta continuada política de degradação face a outros grupos do setor público que têm melhorado os seus níveis de remuneração, tais como os magistrados judiciais, constitui-se em paradoxo político, pois os programas aprovados elegiam como prioridades reforçar o Estado Social e atenuar as desigualdades sociais, o que, por esta rota de divergência, não está a acontecer.