Era uma vez o Rui, um menino inteligente que repetia na internet as coisas inteligentes que o professor doutor Louçã dizia na televisão. De tanto repetir coisas inteligentes, o menino Rui ganhou um concurso do tipo “Quem Quer Ser Milionário?” ou “Preço Certo” e foi para Bruxelas, que é um lugar distante onde pessoas inteligentes como o menino Rui decidem coisas para melhorar as vidas de todos nós. Além de inteligente, o menino Rui é generoso, e deu um bocadinho do salário para ajudar outros meninos a serem tão inteligentes quanto ele. Por azar, um dia o menino Rui zangou-se com o professor doutor Louçã e deixou de ser sócio da associação a que ambos pertenciam. Porém, o menino Rui não quis desapontar os outros meninos e manteve o emprego e o salário.

Quando o emprego acabou, o menino Rui ficou aborrecido e inventou uma associação só dele para continuar a espalhar dinheiro e ser útil à humanidade. Desgraçadamente, os azares sucederam-se, e o menino Rui perdeu todos os concursos seguintes, e as respectivas estadias em Bruxelas, Lisboa ou até nos arredores de Torre de Moncorvo. Após vários concursos perdidos, a associação do menino Rui, que é o menino Rui,  lembrou-se de mandar aos concursos uma criatura que não fosse o menino Rui. Escolheram a menina Joacine, que é da Guiné e que, sempre que começa a falar, desata a fazer barulhos esquisitos, às vezes iguaizinhos aos de um helicóptero, às vezes parecidos com um modem de 1995. O primeiro resultado é que nunca ninguém ouviu o que ela quer dizer. O segundo resultado é que a estratégia funcionou em cheio, e a menina Joacine ganhou um concurso para ficar na Assembleia da República, que é um lugar onde pessoas inteligentes como o menino Rui decidem coisas para melhorar as vidas de todos nós. Não sei se a menina Joacine é inteligente porque não sei se imitar helicópteros é sinal de inteligência.

De qualquer maneira, burra é que a menina Joacine não é: logo no primeiro dia de trabalho, conseguiu um almocreve para lhe carregar a bolsa. Toda a gente se riu do saiote que o almocreve vestia, mas os senhores educados informaram o povo de que o saiote é moderno. Quando o meu vizinho Armando saiu à rua em pelota e de galochas, não houve quem explicasse à ambulância do INEM que o Armando estava apenas a seguir as tendências da moda. Por causa disso, o infeliz vive no Magalhães Lemos vai para seis meses.

Um só mês bastou para estragar a harmonia entre o menino Rui e a menina Joacine, e entre o almocreve da menina Joacine e a Terra em peso. A princípio, tudo corria bem. O menino Rui festejou aos gritos a vitória da menina Joacine, que arranjou uma hérnia de muito se baixar para abraçá-lo. A menina Joacine passeava jovialmente pelo parlamento, a denunciar o racismo do país que a elegeu deputada. E o almocreve visitava o programa da Cristina – ou do Goucha, um desses que o meu vizinho Armando via antes do internamento e continua a ver depois. De repente, a catástrofe.

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A catástrofe começou com uma proposta do PCP para o parlamento criticar Israel. Dado que a associação do menino Rui é a favor dos gays, a menina Joacine tinha obviamente de defender a Palestina, que pega nos gays e os enfia na cadeia ou no cemitério. Ora a menina Joacine confundiu-se com tamanha clareza programática e fez uns telefonemas ao “grupo de contacto” (não estou a brincar: eles estão). Visto que não a atenderam, ou julgaram que a rede estava com cortes, a menina Joacine preferiu abster-se. O menino Rui ficou fulo com a menina Joacine. A menina Joacine ficou fula com o menino Rui. O almocreve vestiu um trapinho à pressa e sentou-se ao twitter.

Vamos por partes. O menino Rui, que é rancoroso, convenceu os amiguinhos dele a correr com a menina Joacine da associação. A menina Joacine, que é danada, jurou que não saía da associação nem do parlamento. De pirraça, entrou justamente no parlamento sem falar a uma jornalista que a maçava com questões. O almocreve, com traje indefinido, chamou um GNR para escoltar o sagrado recato da menina Joacine. De seguida, negou tudo e, para pôr água na fervura, afirmou que os jornalistas padecem de “desordens mentais” por culpa do “mercantilismo” ou assim. Não satisfeito, o almocreve, que não sabe escrever em português e era leitor de português, explicou que a “cultura de trabalho” da menina Joacine é “uma cultura de descanso, no sentido intelectual do termo.” No sentido intelectual do termo, o almocreve não regula bem. Algures no meio destes imbróglios, a menina Joacine falhou os prazos para entregar uma proposta de alteração da lei da nacionalidade, decerto porque cumpri-los colidia com a cultura do descanso.

Hoje, sexta-feira, não houve novidades sobre o menino Rui, a menina Joacine e o almocreve, o que não augura nada de bom, pelo menos no que toca ao divertimento do povo. Entretanto, um menino fundador da associação fundada pelo menino Rui anunciou que ia embora, notando que a decisão da saída, suponho que ao contrário da entrada, “não foi fácil nem leviana”. Um segundo menino fundador da associação fundada pelo menino Rui confessou sentir “vergonha” da “telenovela”. Eu não sinto vergonha: sinto falta. Mais, por favor.