A meteorologia que tinha criado as condições para o desencadeamento dos incêndios da semana passada criou também as condições para a sua extinção. A chuva que chegou, e que está prevista voltar nos próximos dias, irá terminar este período dramático que, tal como os anteriores, deixou um rasto de perda de vidas, de ruína de famílias e empresas, e de destruição de património natural. O papel decisivo da meteorologia deveria dar-nos a humildade suficiente para compreendermos a dependência que temos em relação ao clima e ao planeta.

No coro do “apuramento das responsabilidades” que habitualmente se segue, existe sempre a tentação de procurar culpados. Apesar de estarmos perante um aviso vermelho de perigo meteorológico de incêndio, o que quer dizer que estão reunidas as condições para a ignição, propagação e sustentação de incêndios de grandes proporções, a pulsão de identificar responsáveis é sempre muito forte.

A primeira reação conhecida envolveu o papel dos incendiários. Este papel existe e é percebido por muita gente como importante, apesar de os estudos realizados lhe atribuírem um caracter algo secundário. No passado não muito distante deu origem a alterações legislativas e foi colocado no centro das preocupações da investigação policial. Apesar do aumento da atenção das populações, das forças policiais, e do quadro penal mais exigente, as complexidades da alma humana fazem com que se não posso nunca anular. Pouco difere dos mecanismos que conduzem aos tiroteios nas escolas que regularmente ouvimos do outro lado do Atlântico. Colocar este fator como uma das preocupações dos responsáveis tem pelo menos a vantagem de evitar que se torne “naquilo que nos querem esconder”.

Quase ao mesmo tempo surge a questão do eucaliptal. Sendo uma espécie que tem um grande valor industrial, que cresce rapidamente e que substituiu, tal como o pinheiro, o bosque autóctone, aumenta a vulnerabilidade do território sempre que o seu cultivo é desordenado, em particular pela proliferação de materiais “finos” que são decisivos na ignição, seja ela natural, por desleixo, ou criminosa. As associações ambientalistas são sempre muito ativas a apontar o eucaliptal como a principal causa dos incêndios, apesar da opinião diferente de investigadores florestais. Procuram assim defender a plantação de espécies autóctones, o que está certo, mas não valorizam o facto de a floresta “industrial” bem gerida ter níveis muito mais baixos de incidência de fogos devastadores. Devo dizer que o papel dos “fazedores de opinião” contribui neste domínio para a desinformação: é fácil e popular apontar o dedo aos eucaliptos, mas é necessário distinguir entre as diferentes formas de condução da floresta. A floresta não gerida paredes meias com mato tem uma grande vulnerabilidade.

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E temos a questão da limpeza dos terrenos. A produtividade vegetal de uma boa parte do território é suficientemente elevada para que um corte realizado no fim da primavera, quase se não reconheça no auge do verão. O corte é caro quando comparado com o rendimento que os proprietários podem obter das suas explorações. Apesar do sistema de controlo que foi montado, e do efeito reconhecido na proteção das povoações, dificilmente será generalizado à totalidade do território e mantido ao longo do tempo, sem um custo continuado muito grande. Esta situação é do conhecimento geral sendo as soluções apresentadas uma mistura de repressão e subsídios, estes justificados pelo facto de estarmos a falar de um património comum, sendo menos clara qual a origem dos recursos necessários para estes subsídios e se estes podem ter mais do que um papel subsidiário.

É necessário voltar a nossa atenção para a gestão das áreas florestais. Tal como está a acontecer com a agricultura, é cada vez mais difícil a manutenção de um efetivo florestal em segurança num clima mais quente. A introdução de práticas de gestão mais exigentes vai levar à necessidade de atores económicos com mais capacidade financeira e técnica, sejam eles construídos a partir da cooperação entre produtores, ou por um papel crescente de empresas florestais. Devem caber-lhe responsabilidades de controlo da vulnerabilidade ao incêndio, e igualmente de manutenção da sustentabilidade ambiental e da biodiversidade, de forma muito semelhante ao que atualmente exigimos nos outros tipos de atividade empresarial.

Como não podia deixar de ser, é também sempre discutida a eficiência do sistema de proteção civil no combate aos incêndios. O aumento da capacitação das instituições de proteção civil tanto em pessoas como em meios foi positivo e mostrou uma capacidade como não existiu no passado. Também aqui é necessária humildade: com uma situação de elevada perigosidade num território muito extenso, nunca será possível ter equipas de bombeiros em todas as povoações e construções isoladas, da mesma forma que não podemos colocar um guarda em cada caminho florestal para prender os incendiários. Não existem “canadaires” capazes de extinguir todos os incêndios, nem bombeiros capazes de defender todas as habitações, nem sapadores que possam atuar simultaneamente em frentes cuja dimensão parece não ter fim. Podemos ainda melhorar o conhecimento que as equipas têm do comportamento da floresta perante o fogo, qualificar o seu equipamento e eventualmente organizá-las melhor. Espero que se não percam os avanços que o conhecimento teve nos últimos anos.

Quanto aos modelos de direção e coordenação de meios é claro que não existe unanimidade, e espero que esta seja construída sem preconceitos ou corporativismos.

Finalmente, é sempre discutido o papel dos dirigentes políticos. A meu ver este papel não se confunde com a atração pela direção do combate no terreno. Os sistemas de previsão de risco meteorológico de incêndio estão consolidados, têm bastante fiabilidade e devem ser utilizados para guiar a ação. Na iminência de uma situação extrema é da maior importância transmitir de forma clara e assertiva o que devem esperar os cidadãos, os meios que irão ser colocados no terreno e as estratégias que vão ser seguidas. Numa situação como a que foi vivida, que afetou um território muito extenso, é ainda necessário esclarecer a cooperação entre todos que será necessária, e o apoio que é preciso dar às equipas de bombeiros e a todas as componentes da proteção civil. Quem está na iminência de ver a sua terra engolida por um grande incêndio, percebe que está no centro de uma batalha, e tem o direito de ter toda a atenção de quem dirige o país.

A atmosfera continua a aquecer pelo que o futuro nos vai trazer situações semelhantes, eventualmente mais difíceis, como uma história sem fim. Espero que os próximos tempos sejam de recuperação dos territórios e das comunidades afetadas. Coloquemos nessa recuperação todos os meios possíveis, mas, acima de tudo, não nos esqueçamos daqueles que estiveram na linha da frente.