O Papa Francisco, agora com o lançamento do livro “A Força da Vocação”, está sempre a surpreender-nos, pela positiva, na minha opinião. É um líder popular, com uma visão mais progressista, que tem tentado trazer um pouco de ar fresco, de modernidade, para o interior da bafienta Igreja Católica, na sua relação com os seus fiéis, mas também com outras instituições civis e religiosas. Digamos que não tem sido fácil lutar contra os poderosos grupos de interesse dentro do Vaticano/Santa Sé, incluindo, segundo disse o próprio Papa, o ‘lóbi gay’.

Na relação da Igreja católica com a sociedade, a questão do sexo e da sexualidade – que são duas coisas distintas – suscita com frequência muita discussão e polémica. Historicamente conservadora, nunca lidou muito bem com este tema e, mais do que isso, apresenta muitas contradições — os mais críticos falam mesmo de hipocrisia. Embora resumidamente, vejamos algumas ideias sobre a Igreja Católica e a sexualidade — não só a de seus membros, mas também dos demais.

Em primeiro lugar, gostaria de chamar à atenção para três conceitos que são importantíssimos nesta discussão: celibato, abstinência sexual e pedofilia.

De acordo com a regra do celibato, os clérigos católicos não devem contrair matrimónio e, consequentemente, ter nenhum tipo de comportamento sexual. Porém, nem sempre foi assim: na Idade Média, o matrimónio era permitido, houve, inclusivamente, papas casados. Segundo a doutrina, o celibato não é um dogma de fé, uma verdade absoluta, inquestionável, mas, apenas, uma disciplina, uma regra de vida, mesmo que ainda obrigatória. Por isso, o Papa Francisco fala na possibilidade de uma revisão e até na suspensão do celibato sacerdotal.

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O celibato e abstinência sexual (a não prática do sexo) são dois comportamentos que deveriam caminhar lado a lado, o que, na prática, não acontece. A ideia é a seguinte: apesar de a Igreja impor o celibato, muitos dos seus membros, maioritariamente os homens, não praticam a abstinência e são sexualmente tão criativos como os laicos. Falarei da pedofilia mais à frente.

Na sua relação com a sociedade, ou seja, quando (tenta) regular o corpo e a vida sexual dos outros, a liderança católica defende uma moralidade onde só cabe a heterossexualidade – a homossexualidade é considerada pecado. A lógica que defende é: o que é natural é moral, o que não é natural é imoral perante Deus. Não sendo ‘normal’ o sexo entre homem-homem e mulher-mulher, no caso de duas pessoas adultas, casadas e de sexo diferente, para a Igreja Católica, valerá tudo, ou seja, tudo é normal e permitido?

Quanto à (con)vivência do clero com os seus fiéis, há, historicamente, muitos casos de envolvimentos sexuais de padres com mulheres, quase sempre casadas e  resultando muitas vezes em filhos; mas, também, com homens, portanto, uma prática (homo)sexual altamente condenável pela doutrina moral católica.

Outra questão importante é o que acontece no interior da Igreja, entre os seus pares e dentro dos seus muros – seminários, colégios internos, casas paroquiais, sacristias, etc. Neste caso, acontecem dois tipos de comportamentos sexuais: relacionamentos hetero e homossexuais entre adultos – até aí aceitável, porque são adultos e conscientes – e a imoral e criminosa pedofilia, envolvendo crianças sob a sua tutela/proteção e formação.

Falemos agora do terceiro conceito: o que é pedofilia? A pedofilia não é, como muitos pensam, meramente uma vontade, um comportamento sexual desviante – é uma doença. Pedófilos são pessoas adultas, homens (maioria) e mulheres, com preferência/fixação sexual por crianças – as que ainda não atingiram a puberdade – do mesmo sexo ou de sexo diferente do(a) agressor(a). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a pedofilia é um transtorno psicológico, no entanto, do ponto de vista jurídico é um ato criminoso e punível por lei.

Há uma ideia generalizada e totalmente errada em associar pedofilia com os gays. É importante realçar que pedofilia não tem uma relação direta com a homossexualidade; ao contrário, conforme confirmam os dados estatísticos, a pedofilia acontece mais no universo hetero do que homo e quase sempre no contexto familiar e de vizinhança.

Portanto, na Igreja Católica, constituída por homens e mulheres, de carne (fraca) e osso, bio-fisio-sexualmente ativos, há todos os tipos de comportamento sexuais: há hetero, homo e também pedófilos, como constantemente vem a público os casos praticados por clérigos católicos em vários países do mundo. Enquanto as diferentes práticas sexuais ocorrerem entre os seus pares adultos e intramuros, embora imoral, nada atinge ou prejudica diretamente a sociedade. Outra coisa completamente diferente (e grave) é a pedofilia praticada pelos clérigos. Neste caso, a investigação, julgamento e condenação devem ser feitos por tribunais civis, independentes, e não ficar circunscritos ao interior da Igreja Católica, diretamente interessada em encobrir estes crimes – pelo menos era isso que acontecia até a chegada do Papa Francisco.

Professor de Sociologia da Universidade da Beira Interior