O preconceito a discriminação não são circunstâncias novas ou recentes. Existem desde que há diversidade biológica, contexto humano e organização social. Também não é de agora que se fazem referências ou que se estuda este tipo particular de comportamento humano. Mas há um outro factor que, remontando a épocas imemoriais, não é, de todo, despiciente, nem pode ser desconsiderado nesta reflexão: a consciência e o reconhecimento inerente à relação do eu perante o outro.

À semelhança de qualquer outra construção conceptual humana, a definição de racismo evoluiu de forma a acompanhar o desenvolvimento e a complexidade da sociedade. De todas as diferentes formulações, saliento o racismo aversivo (Kovel, Dovidio e Gaertner),  que descreve comportamentos raciais dum grupo étnico ou racial, que racionalizam através de estereótipos a sua aversão face a um outro grupo. Este tipo de pessoas, que julgam advogar crenças igualitárias, negam a sua postura racial, mesmo perante a evidência da discriminação que promovem para com outros.

Transversal a todas as dimensões que devem ser consideradas – sociais, culturais, nacionais, étnicas, religiosas, políticas, económicas, etc. – está a certeza de o racismo consistir no preconceito e na discriminação, manifestáveis em pensamentos e acções. Perante  esta miríade de possibilidades, vou cingir-me à base comum: o racismo é um preconceito que promove discriminação.

A pergunta que se impõe de seguida é: quem é racista? Racista é o individuo, quer aja individualmente, quer aja em grupo. Não são os povos, os países ou as raças que são racistas. Independentemente da sua actividade, independentemente da tonalidade da sua tez, independentemente da sua capacidade, as pessoas é que são racistas.

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Reconhecendo que o racismo é um flagelo que grassa na sociedade como podemos combater o racismo? Para responder a esta questão é necessário ter em mente dois elementos: ignorância e manipulação. Note-se que tanto a ignorância como a manipulação alimentam o racismo.

O que se ouve e lê por aí – que só os brancos escravizaram, que só os pretos foram escravos, que todas as obras do passado e as grandes metrópoles foram exclusivamente construídas com trabalho escravo, que a escravatura só acabou porque alguém obrigou os brancos foram obrigados a isso, etc. – é pura ignorância. A civilização indiana está culturalmente e socialmente estruturada em castas. Vamos destruir a cultura indiana? Ou erradicar o exemplo de Ghandi? Os gladiadores da Roma antiga eram escravos. Vamos destruir o Coliseu? Sólon, Sócrates, Platão e Aristóteles aprovaram a escravatura. Vamos apagá-los da história? E que devemos fazer com Karl Marx e Friedrich Engels, que discriminaram o lumpemproletariado?

Se a ignorância já alimenta o racismo, imaginem o efeito que terá no crescimento do(s) preconceito(s) aliada à manipulação? Se dúvidas existem, pensem na manipulação feita por Paul Joseph Goebbels e a máquina de propaganda nazista. Mas não pensem que a propaganda foi um exclusivo nazi.

A 11/07 e a 21/07 de 2019, escrevi, com o Miguel Granja, sobre a instrumentalização política do preconceito, onde analisávamos a postura da esquerda perante o preconceito, denunciando a descarada e recorrente prática de manipulação política. A 8 de fevereiro deste ano, a respeito da banalização da autoridade e da retórica discursiva, abordei o comportamento de Mamadou Ba, referindo que o considerava curioso. Enquanto eu apenas via um homem ou uma pessoa, ele, ao olhar para mim, provavelmente, veria um branco. Em menos de 24 horas, Mamadou Ba acusava-me de ser “um racista engravatado”.

Há cerca de 20 anos participei num painel universitário onde se discutia o preconceito. Na altura, começava a ser notório o aproveitamento político que o BE em algumas temáticas. O preconceito era um desses temas. Nesse painel expressei o seguinte: Dizer que todos os brancos são racistas e tão estúpido como afirmar que todos os pretos são criminosos. Hoje acrescento que dizer que nenhum preto é racista é igualmente tão estupido como afirmar que nenhum branco é criminoso.

As manifestações para corrigir injustiças devem ser sempre apoiadas. Já aquelas que procuram fazer justiça pelas próprias mãos devem ser veementemente condenadas. Não é admissível ver cartazes a expressar insultos, o desrespeito pela propriedade privada, a promover o discurso do ódio e a morte de alguém. Por que razão é necessário insultar ou injuriar para sustentar uma posição?

Estes pseudo-activistas, que não passam de provocadores, ilustram na perfeição o racismo aversivo acima referido. Confundem intolerância com determinação, intransigência com pluralidade e se as suas reivindicações fossem atendidas aceitariam alegremente viver num regime totalitário. Em suma, são a antítese de Martin Luther King, Jr., e de tudo que ele representou.

A trágica morte de George Floyd está a ser instrumentalizada pelos radicais de esquerda e de direita. O discurso do ódio e do confronto não soluciona nada. Felizmente, no meio do caos, há quem seja sensato e lúcido. Esta norte-americana exemplifica-o.

“Nem todos os pretos são criminosos, Nem todos os brancos são racistas, Nem todos os polícias são maus. A ignorância existe em todas as cores”.

Como se combate o racismo? Com diálogo, tolerância, pacifismo, educação e decência. Protestar não é saquear, nem destruir. Para se construir uma sociedade melhor e mais tolerante, não há melhor exemplo do que Martin Luther King, Jr. Ainda bem que há quem não se tenha esquecido dele.