A demissão de João Cotrim de Figueiredo não pode deixar de ser considerada surpreendente tendo em conta os excelentes resultados obtidos pela IL nas mais recentes eleições legislativas: superando as expectativas de muitos (incluindo as minhas em 2019) o partido passou de um para oito deputados e ascendeu a quarta força política nacional, atrás apenas do PS, do PSD e do CH e ultrapassando tanto o BE como o PCP. Sem esquecer que foi sob a liderança de João Cotrim de Figueiredo que a IL deu um contributo decisivo para viabilizar a solução governativa que retirou o PS do poder nos Açores colocando um ponto final nos 24 anos de governação socialista.

Neste momento, Cotrim de Figueiredo merece inequivocamente ser destacado não só pelo seu excelente desempenho como líder da IL mas também pela dignidade e elevação que demonstrou no momento da saída. É de salientar também que, uma vez tomada a decisão de sair da liderança do partido, o timing escolhido foi benéfico para o partido. Ao sair agora, João Cotrim de Figueiredo proporciona à nova liderança da IL tempo precioso para ter a possibilidade de se afirmar e ganhar notoriedade junto do eleitorado antes do próximo ciclo eleitoral. Uma saída mais tardia tornaria esse trajecto muito mais difícil, independentemente de quem venha a assumir a liderança da IL.

Com a demissão de João Cotrim de Figueiredo, a IL perde um activo muito importante na liderança, mas ganha também uma boa possibilidade para cabeça de lista nas eleições europeias e um possível candidato presidencial. Posições que Cotrim de Figueiredo dificilmente poderia assumir se se continuasse líder já que a IL tem seguido a prática de não apresentar o seu líder como candidato em outras eleições que não as legislativas.

Importa neste momento elogiar também o bom senso demonstrado por Carlos Guimarães Pinto ao optar por não se recandidatar à liderança. Guimarães Pinto teve um papel absolutamente essencial no caminho que conduziu à obtenção pela primeira vez de representação parlamentar pela IL em 2019 mas seria um erro claro – e potencialmente muito danoso para o partido – ceder à tentação de tentar voltar à posição de líder. Ainda que o erro fosse evidente, é sabido que a actividade política inflaciona com frequência de forma grotesca os egos dos políticos pelo que a contenção de Carlos Guimarães Pinto neste domínio merece ser destacada pela positiva.

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Relativamente à situação interna da IL, a surpreendente saída de João Cotrim de Figueiredo é um forte indício de que os conflitos e tensões no partido se têm vindo a agravar mais do que o que transparecia geralmente para o exterior. Sendo certo que os episódios se foram sucedendo – o último com as divergências públicas e notórias entre as declarações de João Cotrim de Figueiredo e de Carlos Guimarães Pinto sobre as incompatibilidades de Pedro Nuno Santos – a demissão do líder sugere que o desgaste provocado por esses conflitos e tensões internas é hoje já bastante significativo. Se esse rumo de crescente tensão e conflitualidade interna não for invertido com a nova liderança, será a própria trajetória de crescimento da IL que ficará em risco.

Quanto ao futuro e à disputa pela liderança da IL, o partido conta com dois bons candidatos – Rui Rocha e Carla Castro – e a concorrência interna pode ser um exercício saudável e clarificador desde que decorra de forma civilizada e não degenere em guerra civil entre facções nem em ofensas pessoais.

Rui Rocha posiciona-se como o candidato da continuidade, tendo como prioridades alargar a abrangência territorial da IL e potenciar um discurso que chegue a mais camadas da população. Tanto pelo timing do anúncio como pelos apoios rapidamente anunciados no interior do próprio grupo parlamentar – além de João Cotrim de Figueiredo, também Bernardo Blanco, Joana Cordeiro e Patrícia Gilvaz prontamente declararam o seu apoio – Rocha parece partir em clara vantagem.

Mas seria um erro desvalorizar o potencial interno de Carla Castro. Com uma enorme e amplamente reconhecida capacidade de trabalho e uma boa rede de contactos nas bases do partido construída desde 2019, a candidatura de Carla Castro tem o potencial para agregar vários segmentos de descontentes e insatisfeitos no interior da IL. É aliás curioso – e sintomático – que, apesar de Carla Castro provavelmente se situar à esquerda de Rui Rocha, haja sinais de apoio à sua candidatura tanto de elementos da ala mais progressista como da ala mais conservadora da IL, tendo como elemento comum a insatisfação com a direcção actual do partido. Até que ponto esses apoios poderão ser compatibilizados e mobilizados por Carla Castro para gerar uma alternativa capaz de derrotar Rui Rocha é uma questão em aberto.

Qualquer que seja o próximo líder da IL, terá níveis de notoriedade bem menores do que João Cotrim de Figueiredo e nem Rocha nem Castro parecem ter grande carisma. Mas importa recordar que também Guimarães Pinto e Cotrim de Figueiredo eram virtualmente desconhecidos quando assumiram funções e que nenhum dos dois encaixa no perfil de um líder carismático. Os dois grandes desafios que se colocam ao próximo líder da IL serão, no plano interno, pacificar o partido e gerir de forma sustentável o equilíbrio entre diferentes tendências e, no plano externo, conseguir uma maior implantação nacional. Para ambos esses desígnios, a nova liderança precisará de encontrar uma fórmula que salvaguarde e promova o pluralismo interno, somando em vez de subtrair e agregando em vez de cancelar.