O fim da guerra colonial ditou que Portugal reorientasse a sua política de defesa. Nessa situação, foi perfeitamente aceitável que Portugal tivesse reduzido a sua despesa militar. O mesmo se pode dizer depois do fim da Guerra Fria. Mas reduzir o dispositivo militar, não é a mesma coisa que degradar as forças armadas. O fim da nossa indústria de defesa, a redução dos efetivos, o não cumprimento da lei de programação militar, o estado de abandono e deterioração de muito material, mostram o ponto de degradação a que as nossas forças armadas chegaram.

Um dos exemplos mais recentes, foi a situação em que estavam os tanques Leopard 2 no início da guerra da Ucrânia. Dos 37 tanques que temos deste tipo, apenas uma minoria estava operacional. Os que foram enviados para a Ucrânia tiveram de esperar por peças vindas da Alemanha, para poderem ser reparados. É verdade que Portugal não precisa de ter 37 tanques operacionais, até porque isso tem custos desnecessários para um país que não está em guerra. Quando um país se interessa pelas suas forças armadas, o material militar só pode estar em três condições. Ou está abatido e não será mais usado (podendo ser canibalizado), inoperacional mas armazenado em boas condições de conservação, ou está completamente operacional. Ter equipamento militar que supostamente poderá vir a ser utilizado, em situação de canibalização, é um sinal inequívoco de degradação das forças armadas.

Há várias décadas que vários governos transformaram o Ministério da Defesa na antecâmara do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Uma espécie de escola ministerial. Aconteceu com Rui Machete, Paulo Portas, Luis Amado, Augusto Santos Silva e João Gomes Cravinho. Isto acontece pelo facto de Portugal pertencer à NATO, à União Europeia e pela cooperação militar com os países da CPLP. Por este motivo, o Ministério da Defesa acaba por ter uma forte componente externa. Alguns ministros da defesa, estiveram muito interessados em serem futuros ministros dos Negócios Estrangeiros e muito pouco preocupados com os problemas da Defesa Nacional.

Nos tempos que correm, a capacidade de alguém fazer um bom lugar de ministro, está relacionado com as suas competências técnicas e com peso político que tem no governo. Isso é determinante para conseguir implementar as suas ideias e acima de tudo, conseguir “bater o pé” ao ministro das finanças. Como o ministério da defesa foi transformado numa escola de ministros dos Negócios Estrangeiros e não dá votos, é uma pasta menor. O facto do presidente do fragilizado CDS ter sido nomeado Ministro da Defesa mostra a irrelevância do cargo. Que poder terá Nuno Melo dentro do governo para se impor e levar a cabo uma boa política de Defesa? Basicamente nenhum.

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Perante a incapacidade do país em manter a sua operacionalidade militar e com o objetivo de contentarem as chefias militares, os governos vão fazendo promoções, chegando ao ridículo número de 253 generais, contra os 31 generais das forças armadas dos EUA. Como o dinheiro não chega para tudo, degrada-se a condição dos praças, levando à situação ridícula de as forças armadas portuguesas terem mais sargentos e oficiais do que praças.

Tal como na falta de casas e na falta de médicos no SNS, também a solução para a falta de praças nas Forças Armadas passará por restrições à liberdade dos cidadãos. Cada vez mais, Portugal se parece com os regimes políticos extrativistas, onde as soluções para os problemas gravitam em volta das palavras “obrigar” e “proibir”. Isto acontece porque a falta de crescimento económico não possibilita a geração de recursos que permitam resolver estes problemas de outra forma.

Do ponto de vista estratégico, o ramo mais importante das Forças Armadas portuguesas é a Marinha, que tirando os dois submarinos, não passa de uma guarda costeira. Em caso de um grande confronto armado, a principal responsabilidade militar de Portugal, é fechar a metade oriental do Atlântico Norte à navegação de potências inimigas. O Almirante Gouveia e Melo, sabendo disso, veio dizer que Portugal terá de adquirir mais dois submarinos. Mas haverá algum governo com coragem política para fazer essa aquisição? Não vejo ninguém capaz de fazer uma loucura dessas. Isto porque os portugueses como um todo, não reconhecem importância às suas forças armadas e por causa das suspeitas levantadas no negócio dos submarinos. Pouca gente entende por que motivo se têm de gastar milhares de milhões de euros em submarinos. O único discurso político que passa para a opinião pública é o do “salários, pensões e direitos”. Tudo o que não orbite esta trilogia não tem valor eleitoral, ou seja, não tem valor político.

Para que se possa fazer uma recuperação da capacidade operacional das nossas Forças Armadas, é preciso convencer os portugueses da necessidade de gastarem mais dinheiro com a Defesa. O mesmo é dizer que para podermos investir em armamento e pessoal, vamos ter menos “salários, pensões e direitos”. Como é obvio a sociedade portuguesa não está preparada para ouvir uma notícia destas. Pela Europa têm suado gritos de alerta sobre a necessidade de investir mais recursos nas Forças Armadas, mas em Portugal isso tem passado ao lado do debate político. A razão é simples, quem disser a verdade sobre a defesa, perderá votos.

Recentemente o governo português, demonstrou estar interessado em adquirir o caça americano F35. Cada avião destes, custa cerca de 180 milhões de euros. Para fazer uma esquadra de 20 aviões, eram necessários 3600 milhões de euros. A somar a isto temos ainda a despesa operacional. Isto mostra até que ponto a modernização das nossas forças armadas é uma impossibilidade política.

O governo que saiu das últimas eleições não terá capacidade para pensar em nada de estratégico. Para isso seria necessário ter uma maioria estável, algo que não está no horizonte nos próximos anos. Mas mesmo com um governo estável, terá de ser levada a cabo uma política pedagógica para convencer os portugueses da necessidade de investir nas suas Forças Armadas. Só nessa altura haverá condições políticas para se investir em Defesa. De outra forma isso só irá acontecer quando já estivermos em guerra. Foi uma política de defesa algo semelhante à que temos hoje, que nos levou ao desastre de La Lys. Vamos repetir a história?