Nesta semana a Assembleia da República (AR) aprovou, sem votos contra, uma alteração ao Código Civil que incide sobre a partilha de responsabilidade parental, na sequência de processos de divórcio, separação de pessoas e bens, nulidade ou anulação de casamento. Se atentarmos a que em 1960 a taxa de divórcio era de 1,1% e a estimativa para 2018 é de 58,7% podemos tirar duas conclusões rápidas. Primeiro, que a sociedade mudou radicalmente, bem como a diversidade das suas famílias, nas últimas décadas. Segundo, haverá certamente dezenas de milhar ou centenas de milhar de menores que vivem com apenas um, ou ambos os progenitores em várias modalidades de partilha de tempo, em que uma delas é a residência alternada em tempos iguais com cada um. Já na legislatura passada, um tema colateral, a declaração de despesas com menores e os benefícios fiscais em sede de IRS de cada um dos progenitores, vivendo separados, tinha dado origem a uma nova Lei para tentar repor alguma justiça distributiva. Então, como agora, criou-se um grupo de trabalho, e foi conseguida uma quase unanimidade nas propostas aprovadas.

A sociedade civil mobilizou-se com duas posições opostas. A Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) entregou na AR uma petição (530/XIII/3ª) a defender o princípio da residência alternada, com o objetivo de promover a igualdade parental e o envolvimento de ambos os progenitores em pé de igualdade, salvaguardando condições ponderosas, que poderiam pôr em causa esse princípio. Posição diferente defende a Associação Portuguesa das Mulheres Juristas (APMJ), que no passado deu um contributo importante para mudar o Código Civil para acautelar situações de violência doméstica e abuso sexual de menores. Precisamente tendo em conta que esta violência incide sobretudo sobre mulheres e que os tribunais são morosos a decidir, consideram que não deve haver presunção de residência alternada, mas sim uma análise caso a caso.

Após estas iniciativas de organizações da sociedade civil, de pais e mães junto de deputados, vários partidos políticos apresentaram projetos de lei, tendo os partidos à esquerda defendido o princípio da residência alternada (BE, PS e PAN) e os à direita a análise casuística (PSD, CDS). Todos sustentam que o superior interesse da criança deve ser o determinante para a decisão do juiz, mas existir ou não uma presunção jurídica de residência alternada, faz obviamente toda a diferença. O que foi aprovado — uma solução de compromisso entre os projetos de PS, PSD e CDS — foi um passo em frente em relação à residência alternada que passou a ter consagração explícita (“o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido”), mas sem se chegar à presunção jurídica, como defendia inicialmente o PS.

Há duas formas como podemos apreciar esta alteração legislativa. Do ponto de vista processual, é claramente positivo que esta decisão tenha envolvido a sociedade civil (as já referidas associações, e outras recebidas em audições ou audiências na AR), e ouvido várias personalidades juízes, professores e outros especialistas. A democracia deve ser isso mesmo, deliberação pública com razoáveis argumentos de sentido contrário, compromisso político e votação maioritária. Por seu turno, uma apreciação técnica, mesmo no contexto da solução política adoptada, deixa algo a desejar. Lendo o actual artigo sobre responsabilidades parentais, fica claro que o legislador até hoje tinha em mente sobretudo duas situações a de residência exclusiva ou maioritária com um dos progenitores. É assim que o Código Civil estabelecia (e não foi alterado) que para as questões de particular importância na vida do filho deve existir um exercício comum de responsabilidades parentais (a menos que se julgue contrário ao interesse deste), mas que a responsabilidade relativa aos actos da vida corrente do filho cabem ao progenitor com quem ele vive habitualmente (números 2 e 3 do artº 1906). No caso da residência alternada a proposta é omissa quanto às responsabilidades parentais. Outra ambiguidade é introduzida pela referência à pensão de alimentos. A opção agora aprovada pelo legislador foi de que a atribuição da residência alternada pode ser feita “sem prejuízo da fixação de alimentos”. É certo que a lei não deve estimular uma eventual defesa da residência alternada, como instrumental por parte do pagador da pensão de alimentos que esteja menos tempo com o(a) filho(a), no pressuposto que com isso poderia obter a sua eliminação. Porém, também me parece lógico que, ceteris paribus, uma alteração de acordo de residência parcial com um dos progenitores que paga x de pensão de alimentos, para um acordo de residência alternada, deverá implicar uma pensão menor (y<x) e eventualmente a supressão dessa pensão. O critério aqui deve ser assegurar as necessidades objetivas e o bem-estar do menor e não a mera existência de uma desigualdade de rendimentos dos progenitores. Não deve caber aos juízes serem instrumentos da política redistributiva do Estado. Teria sido necessário pois densificar minimamente a questão da pensão de alimentos no Código Civil. Não o tendo sido conviria que a AR se debruçasse agora sobre a secção “alimentos devidos a criança” do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

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A regulação das responsabilidades parentais quando exercidas por progenitores que vivem separados afeta dezenas ou centenas de milhar de famílias. Não é um problema simples nem menor. É pois de louvar que a AR tenha legislado sobre este tema, ainda que tímida e minimamente, pois significa que está atenta às mudanças sociais.

PS. Enquanto deputado na XIII legislatura acompanhei esta temática e recebi apelos veementes de pais contra situações injustas em sede de IRS por não conseguirem declarar despesas com filhos. Uso este caso num capítulo de um livro que acaba de sair “A democracia em Portugal: como evitar o seu declínio” (Almedina) para mostrar duas coisas. Os grupos de trabalho, quando funcionam, são dos locais mais eficazes para realizar trabalho parlamentar. Não basta aprovar leis mais justas, a administração tem de ser capaz de as implementar, o que não foi o caso.