Sou só eu que estou empolgado com a campanha presidencial que se aproxima? Sinto um entusiasmo infantil que me recorda a meninice. Tudo indica que, com a qualidade do cartaz já anunciado, vamos reviver 1986. Não porque sejam candidatos com o nível de Mário Soares, Freitas do Amaral, Salgado Zenha ou Maria de Lourdes Pintassilgo, mas porque fazem lembrar os personagens d`A Mais Louca Corrida do Mundo, os desenhos animados que estavam na berra nesse ano – juntamente com o México86, a Bota Botilde e a expressão “na berra”. O que eu gostava daquela maradice! (Outra expressão da altura. Vou tentar usar aqui mais alguma, igualmente baril). Mal se ouvia o genérico, vinha a correr plantar-me em frente à televisão. As vezes que molhei as cuecas, só para não ir à casa de banho e correr o risco de perder um dos risos do cão Mutley, comparsa do vilão Dick Dastardly – felizmente estávamos nos anos 80, de maneira que o pingo de urina era na carpete de pelo sintético, impossível de manchar. A excitação que sentia é a mesma que vivo agora, quando começa o telejornal com as notícias sobre os candidatos.

N’A Corrida Mais Longa do Mundo, cada participante tinha o seu carro chanfrado, que o destacava dos demais. Exactamente como agora, em que todos os candidatos têm a sua excentricidade particular, que usam para apelar ao eleitorado. Por exemplo, a corrida tinha o Coupé Assombrado, conduzido pela Dupla Sinistra e tripulado por fantasmas, o Gato Compacto, o descapotável cor-de-rosa da fútil Penélope Pitstop, e o Carro Tanque, viatura militar pilotada por um Sargento. Nas nossas presidenciais também temos um cheirinho a assombração do passado, a vaidade e a militarismo. E isso só na candidatura do Almirante Gouveia e Melo. De resto, como nos bonecos animados, também há pretendentes rústicos, mafiosos, cavernícolas, quase-génios e betinhos. É, de facto, uma soberba grelha de partida. E uso aqui grelha quer no sentido automobilístico, quer também no culinário, porque há ali muitos candidatos que se vão queimar, sobretudo os que ficarem abaixo dos 5% e falharem a subvenção estatal para ajudar a pagar a campanha.

Acompanhar uma corrida inverosímil com tantos personagens bizarros requer uma suspensão de descrença própria das crianças. E para assistir aos desenhos animados, também.

Para já, além do referido Almirante, temos Marques Mendes, Joana Amaral Dias, Santana Lopes, Mário Centeno, um boneco de ventríloquo qualquer em representação do PCP, António José Seguro, André Pestana, Tim Vieira e André Ventura. Podemos chamar a isto “elenco de luxo”. Principalmente se formos daquelas pessoas que não sabem nem o que é um elenco, nem o que é luxo. Seria menos absurdo se fosse a lista de reforços que o Rúben Amorim pediu ao Manchester United para melhorar o rendimento da equipa. Ou os escolhidos pela Cristina Ferreira para entrarem na casa do Secret Story. Apesar de ser um grupo de malta gira, confesso que sinto falta da sobriedade dos candidatos de antanho. O Tino de Rans, por exemplo. O mais próximo de sentido de Estado é o Almirante, que está sempre em estado de sentido.

Olha-se para o conjunto e vê-se um milionário de um reality show, vários comentadores, um magala, um governador a governar-se, dois agitadores populares e um eremita do PS. Para quem acha que o PR é apenas uma figura decorativa, este rol de candidatos parece o resultado da visita de um invisual ao armazém de refugo da Moviflor. Há aqui uma algazarra de estilos que fez o kitsch parecer sóbrio. Um bocado fatela.

A grande dúvida é André Ventura. Afinal, o que é que ele pretende? Há menos de um ano candidatou-se a Primeiro-Ministro, agora concorre para Presidente da República. Em 2024 considerava-se o português mais habilitado para governar, em 2025 considera-se o português mais  indicado para representar e moderar. São funções muito diferentes. Um exerce o poder executivo, o outro exerce influência. Parece a minha filha, que num ano se inscreveu no ballet e no ano seguinte no jujitsu. A diferença é que tinha 7 anos. Esta mudança pode dever-se a uma de três coisas. A primeira é Ventura ser um oportunista que deseja protagonismo e por isso concorre a todas as eleições, para aparecer nas televisões. A segunda é Ventura ser um daqueles agarrados às raspadinhas, que não consegue dizer que não a um concurso. A terceira é que se tenha dado uma transformação em Ventura, que passou de se sentir com características de Primeiro-Ministro para alguém que olha ao espelho e vê a figura institucional de Presidente da República. Se for este o caso, é provável que André Ventura seja o primeiro político trans português.

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