As últimas sondagens não deixam dúvidas: Marcelo Rebelo de Sousa vai ganhar as presidenciais com um resultado histórico. Tudo indica que o Presidente vai angariar quase 99% dos votos recolhidos por todos os candidatos democratas que se apresentam a eleição.

Nesta altura, suponho que o leitor se esteja a perguntar: “Onde é que este palerma pretende chegar com a conversa de «99% dos votos recolhidos por todos os candidatos democratas»?” E pergunta bem. É uma perífrase pouco elegante e algo rebuscada para demonstrar que, no dia 24 de Janeiro, vão apresentar-se candidatos que não são grandes amigos da nossa democracia. Apesar disso, esses candidatos recolhem perto de 30% das preferências, o que é curioso. Significa que há eleitores que querem participar na festa da democracia escolhendo alguém que, como dizer?, não aprecia a música da democracia. E leva a mal a dança da democracia. Já para não falar do bar aberto da democracia, claro.

André Ventura, com tudo o que diz sobre ciganos, não aprecia a nossa democracia inclusiva. Marisa Matias e Ana Gomes, ao quererem ilegalizar um partido, mostram que também não. E João Ferreira, ao dizer que o conceito de democracia que defende é muito diferente do conceito de democracia da Coreia do Norte, está a sugerir que a Coreia do Norte é uma democracia. Logo, não é bem um democrata. É como um pasteleiro que diga que “cocó” é apenas um tipo diferente de chocolate do que aquele que habitualmente usa. Não comia nenhum bolo dele.

Sei bem que o que acabo de dizer é polémico e vai dar azo a comentários como: “Então este tipo está a equivaler o André Ventura à Marisa Matias e à Ana Gomes?” Por isso, para que não haja espaço a dúvidas, quero deixar aqui bem claro: sim, estou. O discurso de André Ventura sobre ciganos é um discurso preconceituoso e discriminatório. O de Marisa Matias e Ana Gomes, ao querer ilegalizar um partido só porque não concordam com as suas opiniões, também o é. São ambos discursos identitários de quem quer excluir pessoas do convívio nacional, apenas porque pertencem a um grupo específico. Um é de alguém que quer excluir pessoas pelo que elas são, o outro é de quem quer excluir pessoas pelo que elas pensam. A bandeira destes candidatos a Presidente de todos os Portugueses é não quererem ser Presidente de todos os Portugueses. Qualquer um deles já mostrou que não está interessado em cumprir a Constituição. A única diferença é que, ao ameaçarem não dar posse a um Governo democraticamente eleito, Gomes e Matias pretendem desrespeitá-la tal como está, enquanto Ventura sempre diz que a quer mudar antes de borrifar nela.

É curioso: se nos limitarmos a democratas, ficamos com um nada democrático resultado à albanesa. Normalmente, numa eleição em que concorrem candidatos não democratas, o candidato favorito é que é o autoritário, não os outros. Resumindo, pelas minhas contas, Marcelo tem neste momento 98,71% das intenções de voto, Tiago Mayan fica com 1,28% e Tino de Rans com 0,01%. O futuro da democracia portuguesa está nas mãos de um Professor, de um Liberal e de um Calceteiro. Ainda mais inverosímil do que quando um homem se juntou a um hobbit, a um feiticeiro, a um elfo e a um anão para formarem a Irmandade do Anel e salvarem a Terra Média.

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