O progresso científico e tecnológico conduziu a humanidade a uma nova era, em todas as áreas do conhecimento. Também a medicina beneficiou dos avanços da tecnologia, sobretudo no que diz respeito aos exames complementares de diagnóstico e ao desenvolvimento de novos agentes terapêuticos. Entra o doente no consultório médico, e é exceção o dia em que regressa a casa sem pedido de análises ou prescrição farmacológica. Nas instituições de saúde, equipamentos automatizados tornaram possível a realização de centenas de análises laboratoriais em apenas alguns minutos, ao mesmo tempo que uma miríade de métodos de imagem, como a radiografia, a ecografia, a tomografia computorizada ou a ressonância magnética oferecem uma representação visual do interior do organismo. A inovação tecnológica veio a permitir também a monitorização de alguns parâmetros vitais – tensão arterial, ritmo cardíaco, frequência respiratória – através de sensores e sistemas computorizados, que os projetam, em gráficos, nos ecrãs.

Toda esta sofisticação de exames complementares permitiu uma maior objetividade na identificação da doença e um conhecimento mais amplo dos mecanismos fisiopatológicos subjacentes. Esta realidade tornou possível o diagnóstico mais precoce de determinadas patologias e quantificar, cada vez com maior exactidão, as suas repercussões. Estes avanços permitiram, em alguns casos, a instituição de uma terapêutica atempada e mais eficaz. Foram os avanços da medicina que viabilizaram conquistas admiráveis como a diminuição da taxa de mortalidade infantil, o aumento da esperança média de vida, ou a prevenção e tratamento de doenças infeciosas, oncológicas ou cardiovasculares.

Assim, é hoje possível ir mais além da informação sensorial, dos dados do exame objetivo em que a medicina sempre se apoiou. Porém, “as novas tecnologias abafaram a exploração semiológica pelos sentidos e, ao mesmo tempo, subtraíram o valor terapêutico de gestos tão simples como o tocar”. Por conseguinte, o recurso sistemático a exames complementares de diagnóstico não pode depauperar a riqueza inesgotável que se constrói através do diálogo atento e do contacto direto com o doente.

O escritor Gonçalo M. Tavares, no seu livro Aprender a Rezar na Era da Técnica (Caminho, 2007), sugere que “o médico na Era da Técnica é encarado como um habilidoso condutor de automóveis”. Convém, no entanto, recordar que o veículo que dirige transporta passageiros – os doentes – que vivem, sentem, pensam e sofrem, porque a doença torna o ser humano vulnerável. Acontece, pois, que “a maquinaria não entende o lúdico nem o trágico, entende a direção, uma certa força e um certo movimento.” (Tavares, op. cit.). Na realidade, a tecnologia acaba, muitas vezes, por assumir um papel redutor e simplificador da doença, não admitindo a subjetividade do corpo em que se manifesta. Se o avanço do conhecimento científico permite, por um lado, a catalogação mais precisa das diversas patologias, por outro, pode fazer esquecer a vertente humana da prática clínica.

O aumento exponencial do conhecimento médico conduziu inevitavelmente a uma subespecialização da medicina. A velocidade de aparecimento de nova informação é de tal modo vertiginosa que acaba por se tornar humanamente impossível acompanhar, a par e passo, os avanços observados em todas as áreas de especialidade. Assim, a medicina da Era da Técnica, acaba por se deter apenas na compreensão de determinados fenómenos biológicos, acabando por fragmentar o doente em órgãos e sistemas isolados, correndo o risco de relegar, para segundo plano, o homem na sua globalidade. O Papa Francisco, na encíclica Laudato si’, observa, com inegável clarividência, que “a especialização própria da tecnologia comporta grande dificuldade para se conseguir um olhar de conjunto”. Efetivamente, também na medicina atual se observa uma “fragmentação do saber” que “realiza a sua função no momento de se obter aplicações concretas mas frequentemente leva a perder o sentido da totalidade, das relações que existem entre as coisas, do horizonte alargado” (Francisco, op. cit.).

Impõe-se, assim, uma reflexão sobre a relevância crescente que as novas tecnologias têm vindo a assumir no ato médico, avaliando o seu impacto na preservação da integridade e dignidade humanas, assegurando os princípios da identidade, liberdade e autonomia individuais. Na Era da Técnica, a medicina deverá continuar a abraçar o progresso científico e tecnológico, mas sem esquecer a dimensão humanista que sempre a caraterizou.

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