A cimeira da NATO em Vilnius constituiu mais um grande teste à união dos Aliados da NATO. Como balanço desta cimeira histórica da Aliança Atlântica – que, não esqueçamos, decorreu nos 503.º e 504º dias da guerra da Ucrânia e a somente 100 km da fronteira com a Rússia – podemos afirmar que a demonstração de unidade pedida por Jens Stoltenberg – “Mais fortes juntos”, como diz o slogan da Aliança – foi inequívoca, na altura em que tinha de o ser.
Há dois assuntos que marcaram a agenda da cimeira: a continuidade do apoio militar, financeiro, político e diplomático à Ucrânia e, também, a sua futura adesão à NATO. Apesar de Zelensky o ter colocado na ordem de trabalhos, e de ter sido muito falado, ainda não foi desta que foi dado o passo que falta, convidando oficialmente a Ucrânia a aderir à Aliança Atlântica.
E até neste ponto, a ausência de um convite concreto é nesta fase compreensível, visto que se a Ucrânia aderisse agora à NATO, tal colocaria automaticamente todos os países da Aliança também em guerra com a Rússia.
Se o mundo se pautasse apenas pelo que é correto ou errado, a adesão da Ucrânia seria, sem dúvida, um sinal fortíssimo para Moscovo e, diga-se, com toda a razão de ser: em primeiro lugar, não foi a NATO que quebrou o compromisso tácito encontrado na cimeira de Bucareste, em 2008, quando referiu que as adesões da Ucrânia e Geórgia não seriam num tempo previsível, para não “incomodar” a Rússia. Foi Putin que quebrou o status quo quando decidiu uma invasão em grande escala.
Em segundo lugar, porque a verdadeira garantia de segurança que os Aliados podem dar à Ucrânia é o artigo 5.º do Tratado de Washington. É também esta a única linguagem que Putin entende, como se provou com a adesão da Finlândia e, finalmente, da Suécia.
Para a Ucrânia, a entrada na NATO será, certamente, a garantia de segurança e defesa, mas também representa muito mais do que isso: é o fim da sua subjugação à órbita russa e o símbolo da sua passagem para o Ocidente. E, pelo caminho, a garantia da reconstrução económica e da consolidação da democracia.
As objeções a este convite vieram, principalmente, de Washington e de Berlim. A relutância de Joe Biden está, inevitavelmente, relacionada com a aproximação das eleições presidenciais de 2024. Para uma ampla maioria de americanos, o “inimigo” é a China e não a Rússia, seguindo, de resto, a doutrina americana para a qual o grande desafio estratégico à hegemonia dos Estados Unidos é a China. Biden tem tido sempre uma posição de grande cautela para não envolver a NATO – o que quer dizer os Estados Unidos da América – no conflito.
Quanto a Berlim, não é de um dia para o outro que a Alemanha se consegue libertar da sua visão de uma Europa capaz de “acomodar” a Rússia, que prevaleceu nos anos de Merkel e que levou diretamente Putin a concluir que não teria grande resistência. Olaf Scholz continua provavelmente fiel à ideia de que o melhor é não “provocar” Putin, como se ainda estivéssemos em 2008, quando a Alemanha foi a grande opositora à garantia da rápida adesão da Ucrânia à NATO.
É claro que, a meio de uma guerra, a Ucrânia ainda não tem condições para uma adesão plena. A entrada imediata significaria, como vimos, a possibilidade de invocação do artigo 5º do Tratado de Washington e, consequentemente, uma “linha vermelha” que ninguém quer ultrapassar.
No que diz respeito à adesão da Suécia – tema já anteriormente abordado – a sua confirmação representa uma vitória em toda a linha para a NATO e (mais) uma derrota para Putin.
Historicamente, a Suécia sempre teve uma política de neutralidade armada. A invasão russa da Ucrânia levou o país, no entanto, a alinhar-se com o Ocidente e a candidatar-se voluntariamente à NATO.
Convém igualmente recordar que a Suécia tem uma longa história de cooperação estreita com a Aliança: desde o final da Guerra Fria, no início da década de 90, Estocolmo aproximou-se da Aliança e tornou-se formalmente um parceiro.
Graças à política de neutralidade armada, a Suécia — que gasta mais de 2% do seu PIB em Defesa — tem uma indústria militar moderna e bem equipada, e Forças Armadas bastante capazes. Em 2018, o Governo sueco voltou a introduzir o serviço militar obrigatório para homens e mulheres, como forma de reforçar a segurança do país perante as movimentações da Rússia no Báltico.
Para reflexão futura sobre este processo de adesão, ficarão os avanços e recuos do Presidente turco, que joga sempre em dois tabuleiros: apesar de ter ameaçado condicionar a entrada da Suécia na NATO, ao final do dia acabou por se comprometer a enviar o documento da adesão ao Parlamento de Ancara para ratificação numa data próxima. E para memória futura ficará sempre o protagonismo que Erdogan assumiu nas adesões da Finlândia e Suécia, tanto na Cimeira de Vilnius, como também na do ano passado, em Madrid, ficando percecionado como um hábil negociador e conciliador. A melhor notícia é, sem dúvida, a reaproximação da Turquia ao Ocidente e, como tal, o respetivo afastamento do Kremlin.
Por fim, chegamos à questão crucial de médio prazo desta cimeira: os aliados europeus não têm todo o tempo do mundo para levarem a sua própria segurança a sério. Ou, dito de outra forma, para deixarem de contar com os Estados Unidos para garantir a sua defesa, que assume mais de 70% das despesas totais da Aliança.
Durante muitos anos, os governos da UE foram aprovando projetos sobre projetos para reforçarem a sua capacidade de defesa no seio da NATO. Praticamente nenhum passou do papel. As indústrias de Defesa continuam a rivalizar entre si, enquanto uma maioria de aliados prefere comprar armamento americano. A guerra na Ucrânia foi uma violenta tomada de consciência: falta traduzi-la em decisões e ações concretas, com vista a reforçar a autonomia estratégica europeia.
Até lá, teremos sempre a NATO.