É inconcebível um pai dar Graças a Deus pela morte imediata da sua filha, assassinada a tiro. Mas percebemo-lo quando a alternativa é um mar de sofrimento impossível de significar: a violação colectiva, a tortura, e por fim a morte. Infelizmente, este pai, que do fundo da sua desolação arranca forças para a prece, está certo. Quem viu as imagens das mulheres mortas, pouco mais do que miúdas, depois de espancadas e violadas, o sangue entre as pernas, nuas para o vídeo, como se um corpo não tivesse nome, fosse pernas-braços-nádegas, carne sem pai nem mãe, nem coração nem planos nem sonhos.

Esta é uma atrocidade entre milhares da mais escabrosa carnificina feita para ser vista e amplificada em cada visualização.

Falo, como toda a gente fala, porque neste momento nada mais há a falar, do ataque do grupo terrorista Hamas sobre os civis israelitas. Civis são pessoas como nós, nas nossas casas, a caminho do café, a falar com os miúdos que foram a mais um festival ouvir sabe-se lá quem.

Não me parece útil ir buscar os manifestos dos terroristas do Hamas, o inicial e o mais recente, onde o propósito do genocídio dos judeus já foi retirado, apesar de se ter tornado claro neste massacre. Essa informação é propaganda de recruta e manobra de intimidação. Nada acresce.

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Quando se prepara um ataque como este, antecipa-se a resposta. Quando há disponibilidade para suportar as consequências, e o Hamas sabia que Israel iria responder com violência, temos de perguntar: o que me está a escapar aqui? Qual é o objectivo do Hamas? Há uma agenda. Qual?

Não é com certeza a salvaguarda dos interesses dos palestinianos – o Hamas não quer saber dos palestinianos a não ser como reféns para obtenção e manutenção do poder, ou para engrossar as fileiras. Então, qual?

A despeito do choque temos de nos remover das nossas emoções. O instinto, se for ele a responder, será destruidor, mas de consequências imprevisíveis. E a resposta tem de ser efectiva e civilizadora.

Por ter estado a preparar uma comunicação que apresentarei esta semana, tinha ainda muito fresco na memória um passo do texto em que digo, e cito: «na tragédia, o início é um lugar organizado, coeso, e evolui para a sua própria fragmentação».

E isto é o mundo que temos: aceitando-o ou não, já estamos dentro de um movimento trágico: estamos em processo de fragmentação. Interna e externa. Há guerra na Europa. Em África. Israel está em guerra. A jihad é guerra ao ocidente democrático. Os Estados de Direito estão a ser abalados nas suas estruturas funcionais nos Estados Unidos, na Hungria, na Polónia e onde quer que o radicalismo cresça e a polarização substitua o debate. A autocracia e suas arbitrariedades propagam-se seja na Rússia ou nas ditatoriais China e Coreia.

Este movimento de fragmentação tem de ser contido pela civilização.

PS: faço questão de manifestar o meu absoluto repúdio pelas posições do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português. Deveria dizer que muito me espanta. Na verdade, em nada surpreende depois da posição tomada aquando da invasão russa da Ucrânia. Afinal, uma teocracia, regulada pela sharia, com a total aniquilação social da mulher conforme a concebemos do século XXI, pena de morte para homossexuais, desmembramento para criminosos, e provedora de atentados terroristas como se de acções militares se tratasse, merece mais respeito do que uma democracia, ainda que em deriva populista, acabada de atingir de forma macabra.

PPS: saúdo a posição de Rui Tavares.

PPPS: recomendo a leitura do texto de Y.N. Harari, no Washington Post. E a excelente análise de Timothy Snyder no seu Substack.