O Poder Político tem demonstrado, com especial ênfase nos anos de poder e governação socialistas, possuir uma inesgotável propensão — totalizante ou mesmo totalitária — para querer regular praticamente todos os aspectos da nossa vida pessoal, familiar, profissional e social.

Muita da legislação tem subjacente opções políticas e ideológicas bem definidas e claramente assumidas. Outra há, no entanto, em que a ideologia que lhe está subjacente é estratégica e deliberadamente escondida, muitas vezes sob a capa da pretensa defesa de direitos e liberdades dos cidadãos, por forma a que a sua aprovação não cause alarme e alarde social e, assim, possa ocorrer de mansinho, como diz o povo, sem que a sociedade civil (e infelizmente até a política) dê por isso.

Um “bom” exemplo (pelas piores razões) dessa estratégia político-legislativa é, sem dúvida, a que está subjacente à legislação que os deputados querem aprovar destinada a promover o exercício dos denominados “direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa” estabelecidos na Lei nº 38/2018, de 07.08, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, ministrados em todas as escolas, públicas e privadas, do País.

Com efeito, no passado dia 21 de Abril foram aprovados na generalidade, em sessão plenária da Assembleia da República, vários projectos de lei com o quadro para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adoptar para implementação da Lei nº 38/2018, a saber, o Projecto de Lei nº 21/XV/1ª (PAN), o Projecto de Lei nº 332/XV/1ª (PS) e o Projecto de Lei nº 359/XV/1ª (BE).

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Nessa mesmo dia 21 de Abril, foram ainda aprovados vários projectos de lei que ao mesmo tempo que pretendem criminalizar ex-novo as denominadas “terapias de conversão sexual” as despenalizam se realizadas no contexto da autodeterminação de género, a saber, o Projecto de Lei nº 72/XV/1ª (BE), o Projecto de Lei nº 209/XV/1ª (L), o Projecto de Lei nº 699/XV/1ª (PAN) e o Projecto de Lei nº 707/XV/1ª (PS).

Todos estes diplomas baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (a 1ª Comissão), para discussão e aprovação na especialidade, sendo por isso espectável que o respectivo processo legislativo prossiga os seus termos na presente sessão legislativa, sendo o seu desfecho antecipável se nada for feito para contrariar o mesmo.

O presente artigo abordará apenas a matéria referente ao primeiro conjunto de diplomas referidos e terá por base o Texto de Substituição relativo ao Projecto de Lei nº 21/XV/1ª (PAN), ao Projecto de Lei nº 332/XV (PS) e ao Projecto de Lei nº 359/XV/1ª (BE), que foi, entretanto, apresentado na 1ª Comissão (refira-se que tanto a IL como o PCP apresentaram propostas de alteração).

E, em primeiro lugar, é preciso ter presente que aquilo que está em causa com esta legislação não é o respeito pelo exercício de direitos por parte de pessoas adultas com plena capacidade civil para tal exercício, mas sim a legalização da promoção junto das crianças e dos jovens de uma nefasta ideologia – a Ideologia de Género -, com todas as consequências altamente nocivas que a mesma acarreta para as crianças e jovens alvos experimentais da mesma, nomeadamente em termos físicos, emocionais, mentais (psicológicos ou psiquiátricos) e sociais.

Citando Pedro Vaz Pato, a Ideologia de Género “parte da distinção entre sexo género, a qual se insere na distinção mais ampla entre natureza cultura. O sexo representa a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. O género representa a construção histórico-cultural da identidade masculina e feminina. Até aqui, nada de novo, ou ideológico. A novidade reside na afirmação ideológica de que o género assim concebido deve sobrepor-se ao sexo assim concebido; a cultura deve sobrepor-se à natureza. O género não tem de corresponder ao sexo, corresponde a uma escolha subjetiva, que vai para além dos dados naturais e objetivos.” (cfr. «Uma Revolução Antropológica», 7Margens, 29.08.2019).

Para a Ideologia de Género, o sexo biológico não tem qualquer interferência ou relevância na formação da identidade de género de cada pessoa, sendo o género considerado uma pura construção social e cultural, desligado do sexo que se diz ser atribuído à nascença (e não determinado na fecundação), pelo que o género pode ser desconstruído e reconstruído.

Mas com uma ressalva importante (ainda que não expressamente assumida pelos ideólogos do género): essa desconstrução e reconstrução apenas têm um sentido único, uma vez que apenas podem ser feitas se for para afirmar um género que não seja conforme com o sexo da pessoa, já não sendo permitidas, ou vistas favoravelmente, a desconstrução e reconstrução do género (auto-atribuído e auto-construído) que se queira conformar com o sexo e as características sexuais da pessoa.

Antes, ainda, de analisar aquilo que os deputados (do PS, BE, PAN, Livre, PCP e IL) querem aprovar – a legalização da imposição e promoção da Ideologia de Género nas escolas –, importa recordar alguns dos antecedentes desta legislação, pois o seu conhecimento é fundamental para uma cabal compreensão daquilo que verdadeiramente se pretende com esta revolução antropológica que urge denunciar, desconstruir e combater.

Através da Lei nº 7/2011, de 15.03 foi criado e regulado, ex-novo, “o procedimento de mudança de sexo no registo civil e correspondente alteração de nome próprio”, restrito a cidadãos portugueses, maiores de idade (e que não se mostrassem interditos ou inabilitados por anomalia psíquica), a quem fosse diagnosticada perturbação de identidade de género.

Como tal procedimento apenas era permitido a pessoas a quem fosse diagnosticada perturbação de identidade de género, o pedido tinha de ser instruído com um relatório que comprovasse o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro, relatório esse que tinha de ser subscrito pelo menos por um médico e um psicólogo.

A Lei nº 7/2011 foi revogada pela Lei nº 38/2018, de 07.08, que veio estabelecer “o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa” e fixar novas regras para o, agora denominado, procedimento de “reconhecimento jurídico da identidade de género”.

De acordo com a Lei nº 38/2018, “Têm legitimidade para requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio as pessoas de nacionalidade portuguesa, maiores de idade e que não se mostrem interditas ou inabilitadas por anomalia psíquica, cuja identidade de género não corresponda ao sexo atribuído à nascença” (art. 7º, nº 1), tendo apenas de ser indicado, no requerimento a apresentar em qualquer conservatória do registo civil, o “número de identificação civil e do nome próprio pelo qual a pessoa pretende vir a ser identificada, podendo, desde logo, ser solicitada a realização de novo assento de nascimento, no qual não pode ser feita qualquer menção à alteração do registo” (art. 8º).

O diagnóstico médico de perturbação de identidade de género deixou, assim, de ser exigido, passando a identidade de género a ser livremente auto-percebida, auto-atribuída e auto-determinada, alegadamente em defesa da proibição de discriminação e do livre desenvolvimento da personalidade.

Nos termos previstos na Lei nº 38/2018, “As entidades privadas cumprem a presente lei e as entidades públicas garantem o seu cumprimento e promovem, no âmbito das suas competências, as condições necessárias para o exercício efetivo do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais de cada pessoa” (art. 2º, nº 2).

Ao contrário do anteriormente estabelecido, a Lei nº 38/2018 veio alargar a legitimidade para requerer a mudança de sexo  e de nome próprio no registo civil aos cidadãos portugueses com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos, através dos seus representantes legais, impondo apenas, para o efeito, que o conservador proceda “à audição presencial do requerente, por forma a apurar o seu consentimento expresso, livre e esclarecido, mediante relatório por este solicitado a qualquer médico inscrito na Ordem dos Médicos ou psicólogo inscrito na Ordem dos Psicólogos, que ateste exclusivamente a sua capacidade de decisão e vontade informada sem referências a diagnósticos de identidade de género, tendo sempre em consideração os princípios da autonomia progressiva e do superior interesse da criança constantes na Convenção sobre os Direitos da Criança” (art. 7º, nº 2).

A decisão deve ser tomada pelo conservador no prazo máximo de oito dias úteis (art. 9º, nº 1), sendo expressamente estabelecido que “Nenhuma pessoa pode ser obrigada a fazer prova de que foi submetida a procedimentos médicos, incluindo cirurgia de reatribuição do sexo, esterilização ou terapia hormonal, assim como a tratamentos psicológicos e ou psiquiátricos, como requisito que sirva de base à decisão referida no número anterior” (art. 9º, nº 2).

A mudança da menção do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome próprio realizadas nos termos da lei “só podem ser objeto de novo requerimento mediante autorização judicial” (art. 6º, nº 3), exigência que não existia na anterior lei.

Na Lei nº 38/2018 foram ainda estabelecidas aquilo que o legislador denominou de “Medidas de proteção” para as áreas da “Saúde” e da “Educação e ensino”.

  • Quanto à “Saúde”, é dito que “O Estado deve garantir, a quem o solicitar, a existência e o acesso a serviços de referência ou unidades especializadas no Serviço Nacional de Saúde, designadamente para tratamentos e intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza, destinadas a fazer corresponder o corpo à sua identidade de género” (art. 11º, nº 1).
    Neste momento, existem no SNS três unidades de saúde especializadas para pessoas transexuais nos Centros Hospitalares do Porto, de Coimbra e de Lisboa Central.
  • No que se refere à “Educação e ensino”, veio a Lei nº 38/2018 estabelecer que “O Estado deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas” (art. 12º, nº 1).
    Deste modo, para o legislador o Estado não se limita a respeitar o exercício dos referidos “direitos” por quem tem (ou teria) capacidade civil para os exercer, supostamente os cidadãos maiores de idade ou com idade entre os 16 e 18 anos, estes através dos seus representantes legais, como tem o dever de garantir a adopção de medidas em todos os níveis de ensino, ou seja, a partir do ensino pré-escolar, destinadas a PROMOVER o exercício dos mesmos, o que implicitamente significa que os referidos “direitos” são também reconhecidos a todas as crianças e jovens, independentemente da respectiva idade.

Mas como as crianças e jovens com menos de 16 anos de idade não podem (pelo menos por ora) requerer o reconhecimento jurídico da identidade de género auto-atribuída, veio o legislador reconhecer-lhes o “direito” a realizarem aquilo que denominou de “transições sociais de identidade e expressão de género”, transições essas que o legislador entende que o Estado deve promover.

A título exemplificativo, são elencadas na Lei nº 38/2018 as seguintes medidas a desenvolver no sistema educativo:

“a) Medidas de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género, expressão de género e das características sexuais;

b) Mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que não se identifica com o sexo atribuído à nascença;

c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das características sexuais, contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar, assegurando o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e jovens que realizem transições sociais de identidade e expressão de género;

d) Formação adequada dirigida a docentes e demais profissionais do sistema educativo no âmbito de questões relacionadas com a problemática da identidade de género, expressão de género e da diversidade das características sexuais de crianças e jovens, tendo em vista a sua inclusão como processo de integração socioeducativa” (art. 12º, nº 1).

Nos termos da Lei nº 38/2018, “Os estabelecimentos do sistema educativo, independentemente da sua natureza pública ou privada, devem garantir as condições necessárias para que as crianças e jovens se sintam respeitados de acordo com a identidade de género e expressão de género manifestadas e as suas características sexuais” (art. 12º, nº 2).

efira-se que a Ideologia de Género claramente imanente à Lei nº 38/2018 encontra-se também presente em muitos dos documentos que têm sido aprovados nos anos de governação socialista, muitos dos quais constituem as bases de referência da educação para a saúde e para a cidadania já ministradas nas escolas públicas portuguesas.

São exemplo disso, entre tantos outros, os seguintes documentos: Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania, de Set/2017; Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação – Portugal + Igual até ao ano de 2030, aprovada pela RCM nº 61/2018, de 21.05, e os respectivos Planos de Acção; Estratégia de Saúde para as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo – LGBTI”, da DGS, de Nov/2019; Guiões de Educação Género e Cidadania: Educação Pré-escolar; 1º Ciclo Ensino Básico; 2ª Ciclo Ensino Básico; e 3º Ciclo Ensino Básico; e Referencial de Educação para a Saúde, da DGE e da DGS.

De todos estes documentos importa atentar em parte do que é dito no “Referencial de Educação para a Saúde” a respeito dos seguintes Temas e Subtemas;

  • TEMA “SAÚDE MENTAL E PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA”, Subtema 1. Identidade, cujo Objectivo, para todos os níveis de ensino e ciclos de estudo (pré-escolar, ensino básico e ensino secundário) é Desenvolver a consciência de ser uma pessoa única:
    “· Identificar os limites do corpo e sensações. · Desenvolver competências de afirmação da sua individualidade. · Explorar as caraterísticas individuais. · Aceitar as características individuais. · Identificar as diferenças individuais próprias e dos outros no seio de um grupo · Tomar consciência da identidade de género e dos papéis sociais. · Debater a identidade de género e os papéis sociais. · Analisar criticamente as causas e efeitos da segregação com base no género. · Debater as diferenças individuais próprias e dos outros no seio de um grupo. · Valorizar e estimar a sua individualidade ao longo da vida. · Avaliar e valorizar as diferenças entre gerações.  · Adotar atitudes e comportamentos de respeito pela igualdade de género” [conteúdos a adoptar consoante o nível de ensino e o ciclo de estudos].
  • TEMA “AFETOS e EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE”, Subtema 1. Identidade e Género, cujos Objectivos, para todos os níveis de ensino e ciclos de estudo (pré-escolar, ensino primário e ensino secundário) são: Desenvolver a consciência de ser uma pessoa única no que respeita à sexualidade, à identidade, à expressão de género e à orientação sexual e Desenvolver uma atitude positiva no que respeita à igualdade de género:
    “Ao nível da identidade jogam-se os alicerces do edifício humano. Sermos pessoas únicas, com um corpo sexuado, uma mente própria, uma história que transporta as heranças de um passado e onde cabem as esperanças do futuro é a aquisição básica da consciência que nos coloca no cenário social.
    A identidade é a impressão digital do nosso ser, estar e devir. Crescer é poder ser-se cada vez mais quem se é.
    Os papéis de género são construções sociais cujo conteúdo muda ao longo do tempo e depende da cultura, origem étnica, religião, educação e ambiente geográfico, económico e político em que vivemos. Contudo, os modelos de comportamento são apenas referências para a nossa própria identidade de género, e não a determinam nem devem limitar a forma como a exprimimos.
    O género descreve assim um conjunto de qualidades e de comportamentos que as sociedades esperam dos indivíduos, e que contribui para formar a respetiva identidade social, uma identidade que difere de uma cultura para outra e em diferentes períodos da história.
    A identidade de género é a experiência interna e individual de género profundamente sentida por cada pessoa que pode, ou não, corresponder às expectativas sociais.

Objetivo: Desenvolver a consciência de ser uma pessoa única no que respeita à sexualidade, à identidade, à expressão de género e à orientação sexual:

  • Tomar consciência da diversidade das expressões e identidades de género. · Compreender e respeitar a diversidade na sexualidade e na orientação sexual. · Respeitar e aceitar a diversidade na sexualidade e na orientação sexual [conteúdos a adoptar consoante o nível de ensino e o ciclo de estudos].

Objetivo: Desenvolver uma atitude positiva no que respeita à igualdade de género:

  • Desconstruir os diferentes papéis socioculturais em função do sexo. · Analisar criticamente os diferentes papéis socioculturais em função do sexo. · Analisar criticamente os papéis/comportamentos associados às raparigas e aos rapazes quanto ao namoro, às relações sexuais e à prevenção de consequências indesejáveis das mesmas. · Identificar a violência baseada no género. · Discutir o significado da promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. · Avaliar o significado da promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. · Agir para a promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres” [conteúdos a adoptar consoante o nível de ensino e o ciclo de estudos].

Entretanto, nos termos previstos no nº 3 do art. 12º da Lei nº 38/2018, foi publicado o polémico Despacho nº 7247/2019, de 16.08, da Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade e do Secretário de Estado da Educação, que pretendia estabelecer as medidas administrativas que as escolas deviam adoptar para efeitos da implementação do previsto no nº 1 do citado art. 12º.

Contudo, através do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 474/2021, de 29.06, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos nºs 1 a 3 do art. 12º da Lei nº 38/2018, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista na al. b) do nº 1 do art. 165º da CRP.

Eis-nos, assim, chegados à presente data e ao Texto de Substituição. Refira-se que este texto corresponde quase na íntegra ao Projecto de Lei nº 332/XV/1ª (PS) (diploma que, por sua vez, corresponde quase integralmente ao Despacho nº 7247/2019, de 16.08), com apenas três excepções:

  • A 1ª, proveniente do PL do PAN, da qual resulta que as acções de informação e de sensibilização dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade escolar, a promover pelas escolas devem ser feitas “sempre que possível em articulação com coletivos LGBTIQ+” (cfr. art. 3º, al. a) do TS);
  • A 2ª, proveniente do PL do BE, que impõe a denúncia junto da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de determinados comportamentos ocorridos dentro ou fora da escola (ou seja, também em casa …), nos termos seguintes: “Qualquer situação de assédio ou de prática de atos lesivos do bem-estar e do desenvolvimento saudável de estudante menor, ou de omissão do comportamento devido para os evitar, praticada dentro ou fora do espaço da escola, derivada da manifestação ou perceção de identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença, deve ser comunicada à comissão de proteção de crianças e jovens territorialmente competente” (art. 4º, nº 4 do TS); e
  • A 3ª, que consiste num novo artigo (8º) que altera a redacção dos nºs 1 e 3 do art. 12º da Lei nº 38/2018 declarados inconstitucionais pelo TC.

Vale a pena ler os nove artigos do Texto de Substituição, para perceber até onde os deputados estão dispostos a ir na imposição e implementação da sua agenda ideológica de género junto das crianças e dos jovens.

Começa o referido Texto de Substituição por afirmar, no seu art. 2º, o seguinte:

“Considerando a necessidade de garantir o exercício do direito das crianças e jovens à autodeterminação da identidade e expressão de género e do direito à proteção das suas características sexuais, e no respeito pela singularidade de cada criança e jovem, devem ser adotadas em cada escola medidas que, promovendo a cidadania e a igualdade, incidam sobre:

  1. Prevenção e promoção da não discriminação;
  2. Mecanismos de deteção e de intervenção sobre situações de risco;
  3. Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das características sexuais das crianças e dos jovens;
  4. Formação dirigida a docentes e demais profissionais.”

Cumpre mencionar, em primeiro lugar, que a protecção das características sexuais das crianças e dos jovens, mais do que um direito que lhes assiste, constitui, ou pelo menos devia constituir, um dever de todos os que com eles se relacionem, em particular os adultos, sob pena de, uma vez desrespeitada ou violada essa protecção, ocorrer um claro abuso da integridade física e moral dos menores.

Ora, a protecção das características sexuais das crianças e dos jovens pode precisamente vir a ser posta em causa com a promoção do exercício do denominado e pretenso “direito à autodeterminação da identidade e expressão de género”, direito esse que pressupõe e tem subjacente que a identidade de género de uma pessoa pode ser (re)construída através da negação da sua dimensão corpórea e biológica.

Como referiu Pedro Vaz Pato, “estes diplomas aceitam, como um dogma, que o crescimento harmonioso e saudável de crianças e adolescentes que experimentem uma “perturbação da identidade de género” implica a sua “transição para o género autoatribuído”, com a rejeição do seu corpo sexuado. É, pelo menos, duvidoso que assim seja, sendo certo que muitas dessas perturbações acabam por ser superadas com o crescimento, através da aceitação do corpo sexuado e sem a sua rejeição. Rejeição que implicará “tratamentos hormonais”, o bloqueio da evolução pubertária e uma posterior intervenção cirúrgica de “mudança de sexo” que nunca o será verdadeiramente (desde logo porque o sexo tem uma dimensão cromossómica inalterável), sendo que tudo isso poderá ser antes considerado como mutilação de consequências irreversíveis” (cfr. «Uma Revolução Antropológica», 7Margens, 29.08.2019).

Nada disto interessa ao legislador: o que lhe importa é a identidade ou expressão de género que seja auto-percebida, auto-determinada e auto-manifestada pelas crianças e jovens, qualquer que seja a sua idade.

E é (in)justamente partindo das identidades ou expressões de género que sejam autodeterminadas e manifestadas pelas crianças ou jovens que o legislador, para além de as querer promover, quer impor às escolas que actuem em conformidade com as mesmas.

Nessa medida, o legislador quer reconhecer às crianças e jovens que, segundo é dito, “realizem transições sociais de identidade e expressão de género”, os seguintes direitos:

  • O direito da criança ou jovem a manifestar uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença;
  • O direito da criança ou jovem a utilizar o nome autoatribuído em todas as atividades escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar;
  • O direito da criança ou jovem a optar, na realização das actividades diferenciadas por sexo, por aquelas com que sente maior identificação, tendo em consideração o género autoatribuído;
  • O direito da criança ou jovem a escolher o vestuário a utilizar de acordo com a opção com que se identifica, quando exista a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo; e
  • O direito da criança ou jovem a aceder às casas-de-banho e balneários tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade.

Com vista à promoção e concretização dos referidos “direitos”, quer o legislador que sejam desenvolvidas em TODAS as escolas do País as seguintes medidas:

  • Acções de informação e sensibilização dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade escolar, incluindo pais e encarregados de educação, “sempre que possível em articulação com coletivos LGBTIQ+”;
  • Acções de formação dirigidas ao pessoal docente e não docente “que permitam ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios”;
  • Nomeação de pelo menos um responsável na escola a quem possam ser comunicadas as situações de transição social de género das crianças e jovens, quer pelos próprios, quer por qualquer membro da comunidade educativa, por forma a que a escola promova, em articulação com os pais, encarregados de educação ou representantes legais das crianças ou jovens, à avaliação da situação e à identificação das medidas organizativas a adoptar;
  • Estabelecimento de mecanismos de detecção e de dever de “denúncia” junto da direcção da escola da prática de actos que representem um risco para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou jovem em processo de transição social de género;
  • Estabelecimento de um dever de denúncia junto da comissão de protecção de crianças e jovens de qualquer situação de assédio ou de prática de actos lesivos do bem-estar e do desenvolvimento saudável de estudante menor, ou de omissão do comportamento devido para os evitar, praticada dentro ou fora do espaço da escola; e
  • Estabelecimento dos procedimentos administrativos necessários para efectuar a mudança de nome e ou género autoatribuído da criança ou jovem nos diversos documentos administrativos escolares, no respeito pela vontade expressa dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem.

E a respeito da participação dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem nestes processos e procedimentos, importa chamar a atenção para o seguinte: é verdade que, no Texto de Substituição, o legislador prevê (por ora e supostamente) o envolvimento dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem nestes processos e procedimentos e o respeito pela sua vontade expressa a respeito dos mesmos.

Contudo, não é difícil imaginar o que acontecerá quando um pai ou um encarregado de educação (ou um representante legal) manifeste – como é seu pleno direito e até dever — qualquer tipo de oposição a estes processos ou procedimentos de “transição social da identidade ou expressão de género” da criança ou jovem que está a seu cargo.

Recorde-se que qualquer membro da comunidade educativa tem o dever de comunicar à direcção da escola a prática de actos de que tenha conhecimento que representem um risco para a liberdade da criança ou jovem, o que obviamente poderá ser invocado para incluir os actos praticados pelos pais ou encarregados de educação que se oponham a essa transição.

Por outro lado, recorde-se também que deve ser comunicada à comissão de protecção de crianças e jovens “qualquer situação de assédio ou de prática de actos lesivos do bem-estar e do desenvolvimento saudável de estudante menor, ou de omissão do comportamento devido para os evitar, praticada dentro ou fora do espaço da escola”, o que obviamente poderá ser invocado para incluir os actos praticados pelos pais ou encarregados de educação que se oponham a essa transição. Ao incluir-se, na letra da lei, o espaço fora da escola, está-se a incluir também o espaço familiar da casa da criança ou jovem.

Por último, importa referir que, nos termos previstos no art. 9º do Texto de Substituição, a lei entrará em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. É, pois, de perguntar, como é que todas as escolas, públicas e privadas, do País conseguirão implementar, de um dia para o outro, todas as medidas previstas na lei? E quais ao meios humanos e financeiros de que disporão para o efeito?

Termino, formulando duas conclusões que me parecem óbvias: a primeira, é a de que a legalização da imposição e promoção da (totalitária) Ideologia de Género nas escolas portuguesas constitui um inadmissível abuso da especial fragilidade e vulnerabilidade das crianças e dos jovens, decorrentes da sua falta de maturidade física, emocional e intelectual.

A segunda conclusão, é a de que a legislação em causa viola, de modo flagrante e inaceitável, não só o disposto no art. 43º, nº 2 da Constituição, nos termos do qual o Estado está proibido de “programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”, como viola muitas outras normas da Constituição, em particular as seguintes: “A integridade moral e física das pessoas é inviolável” (art. 25º, nº 1); “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (art. 36º, nº 5);; “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros” (art. 67º, nº 1); “Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: (…) c) Cooperar com os pais na educação dos filhos” (art. 67º, nº 2); “Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (…)” (art. 68º, nº 1); “As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (..)” (art. 69º, nº 1).

Senhores Deputados, deixem as crianças e os jovens em paz!