Às dez da manhã do sábado sete de setembro de 2024, cinco detidos do estabelecimento prisional de Vale dos Judeus aproveitaram a hora das visitas, ou do render de turno, para subir por uma corda e descer por uma escada, e assim protagonizar uma fuga rocambolesca. Ocorreu em poucos minutos. Os sistemas de deteção e alerta nada acusaram e as torres de vigilância desmontadas há cerca de sete anos ainda não tinham sido substituídas. Foi inesperado mas não foi nada de novo.
Há cerca de sete anos, a 27 de junho de 2017, foi furtado material de guerra que se encontrava depositado nos Paióis Nacionais de Tancos. Este episódio chamou a atenção para falhas de segurança da instalação militar, trouxe aos olhos de todos uma imagem de descontrolo e ausência de manutenção. Tornou-se um embaraço nacional, ampliado pelas também rocambolescas manobras de encobrimento. Se recuarmos um pouco mais no tempo, não podemos esquecer a ponte de Entre-os-Rios que colapsou a 4 de maio de 2001 e que pôs a descoberto a quase inexistência de vistorias dos pilares e fundações.
Existe um padrão. Em todos os casos pode ter havido mão humana, o que interessa à justiça, mas houve sempre uma cultura que valoriza a realização de mais uma autoestrada, da ponte mais longa ou mais alta, ou do edifício icónico, mas desvaloriza a necessidade de ser garantido o bom estado ao longo do tempo. Todos os investimentos em construção são vistos como ativos. Mas um edifício que se constrói ou uma estrada que se abre ao público, podendo ser útil e necessária, implica uma responsabilidade e transporta em si um custo futuro. Quando ouvimos que um certo investimento é de dezenas ou de centenas de milhões de euros, devemos logo pensar em quanto vai ser necessário gastar todos os anos para a sua manutenção, e como poderão ser obtidos tais recursos.
É muito difícil encontrar no Estado recursos financeiros para assegurar o bom estado de escolas, estradas, redes de abastecimento, monumentos, ruas ou mesmo jardins. Quando os sinais de degradação funcional surgem nos telejornais lá se vai encetar mais uma avaliação dos problemas existentes, como se os governantes não tivessem nas suas secretárias pilhas de pedidos de reforço orçamental a que não conseguem atender. Podem ser para arranjar uma fachada que está a cair, um sistema de segurança que está inoperacional, uma rede de abastecimento que perde não sei quantos por cento da água que deveria fornecer, ou tantos outros exemplos de infraestruturas que estão muito para lá do seu tempo de vida útil. Habitualmente é mais fácil comprar um equipamento novo do que manter ou consertar um antigo.
A situação é particularmente grave no que diz respeito aos edifícios. Existe um pressuposto adquirido de que a construção é feita para a eternidade, da mesma forma que as pirâmides do Egito, mas raramente se pensa no custo de manter um edifício até à eternidade. E enquanto os faraós foram muito comedidos na forma e nas poucas funcionalidades das pirâmides, projetando-as para resistir ao tempo com custos controlados, os edifícios que utilizamos hoje são sistemas complexos, com funcionalidades diversificadas, alguns com níveis variados de “inteligência”. No setor privado, o boom do turismo e do alojamento de curta duração trouxe um balão de oxigénio a muitos edifícios degradados. No setor público apenas as situações extremas têm conseguido ser salvaguardadas, e nem sempre.
Uma das coisas que distingue os países mais ricos dos mais pobres é o cuidado nos bens públicos e o seu nível de manutenção. A limpeza das ruas. A comodidade dos passeios e jardins. A regularidade dos pavimentos. Apesar das exceções, temos normalmente investimentos de rico e manutenção de pobre. É verdade que a manutenção tem um grave problema: não impressiona e se bem feita nem se dá por ela. Não é financiável pelos projetos e programas nacionais e europeus que abrem os noticiários. Mas é o nível de manutenção que melhor traduz a civilidade.
Assegurar o bom estado das infraestruturas tem custos crescentes. Quanto mais complexas são, menor tenderá a ser a sua vida útil antes de uma grande operação de manutenção, e maiores são os custos regulares a que vai obrigar. Construções de elevada segurança, como as que se discutem agora nas notícias, são particularmente exigentes neste tipo de custos. Ao fim de algumas décadas estes custos tornam-se tão elevados que é mais rentável destruir e construir de novo. Temos de estar preparados para a mortalidade das construções e deixá-las desaparecer do mundo “dos vivos” com dignidade. É duro, mas só devemos investir naquilo que consigamos manter.
Se dúvida houver de que esta preocupação está genericamente ausente na altura das decisões, e que assegurar um nível elevado de manutenção não faz parte da cultura nacional, um percurso de automóvel nas ruas que mais parecem “picadas”, numa das estradas impropriamente chamadas secundárias porque são primárias para muita gente, ou ainda a tentativa de utilização de uma cadeira de rodas nos passeios estreitos e irregulares das nossas cidades, dá-nos a resposta. Nos ossos.