O verão chegou e, com ele, uma dimensão de sol, de férias, de conforto, de mar. Verão e esperança são palavras que se sobrepõem no léxico de uma grande parte dos portugueses. Ansiamos o verão, estamos bem no verão, lamentamos quando ele vai, mas, com sorte, preenchemo-nos de momentos aprazíveis, passíveis de evocação, que nos ocupam de bem-estar e nos dão matéria para aquecer outros momentos menos cálidos do ano.

Apesar desta ideia do verão como tempo feliz, devemos reter dois pontos: o primeiro, o de que o verão não é vivido desta maneira por todos; o segundo, o de que o mesmo verão não pode servir para abalar as nossas conquistas, se for numa plataforma de estabilidade o lugar onde nos colocámos.

Dissequemos estes pontos, então.

De uma forma geral, e se nos reportarmos à saúde mental, o verão é bondoso com as nossas crianças e jovens. Não costuma ser o período de maiores crises. A escola termina e, com ela, todas as inquietações associadas: o desempenho, os números, a exposição em apresentações orais, as intrigas com os colegas e, mais recentemente, o desafio de se aprender desde casa e através de um ecrã, entre outras. O tempo convida à comunhão com a natureza, o desporto pode fazer-se lá fora, as idas aos parques infantis deixam de ter o impedimento climatérico com que tantas vezes as sobrecarregamos, o convívio com os amigos pode expandir-se mais facilmente para além das fronteiras de uma escola. Mas, se existe um estímulo exterior luminoso a impelir-nos a atividades protetoras da nossa saúde mental, o interior de cada um é, por vezes, impermeável a este empurrão de fora. E é o peso do interior de cada um que mais conta.

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Se os meus amigos andam entusiasmados em programas conjuntos, mas, a mim, a vontade é a de estar sozinho; se os meus amigos têm energia para atravessarem os dias numa correria feliz, mas, em mim, o ânimo parece estar corroído e a tristeza cada vez mais funda; se nem por isso tenho testes, mas a ansiedade não me larga; se aparentemente tenho tudo de que preciso, mas nem por isso me sinto contente e deixo-me irritar descontroladamente; se embora sabendo que me é prejudicial, descobri no álcool um encosto que me liberta dos pensamentos duros que me acompanham… enfim, se apesar do que os outros veem em mim, não gosto da pessoa que sou.

A nossa individualidade é naturalmente peculiar ao ponto de se poder destacar, mesmo que o padrão de funcionamento da maioria seja diferente. E os sintomas têm rotinas e relógio próprios, podendo surgir quando menos esperados são. Não podemos desvalorizá-los. Aos pais, cabe a função de estarem atentos, aos filhos de determinada idade, a partilha do eventual mal-estar, de preferência ainda antes de este ser visível.

Relativamente ao ponto dois, se especificamente pensarmos numa criança ou num adolescente em acompanhamento por pedopsiquiatra ou psicólogo, se nos detivermos nas conquistas que foram sendo alcançadas, na eventual maior estabilidade emocional atingida, numa suposta organização de um comportamento previamente destabilizado, que as férias de verão – mesmo que condicionem uma menor frequência das consultas – não sejam terreno para lançar por terra as aquisições, pois estas precisam de ser cuidadas, até se enraizarem. Todos temos direito a alguma flexibilização no período de verão, mas que saibamos manter as rotinas (não esquecer a do sono!) que sejam mais estruturantes para cada um.

Cumpramos as nossas obrigações e seja este um período de verdadeiro e reparador descanso.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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