Como um castelo de cartas, o regime sírio caiu. Em apenas uma semana, a ditadura apoiada pela Rússia e pelo Irão, caiu com enorme estrondo. Ao fim de todo este tempo, ficaram 13 anos de guerra civil, centenas de milhar de mortos, milhões de deslocados, imagens de gente naufragada.

Por mera coincidência, estava em Israel, quando a guerra civil eclodiu em 2011. Vivemos aqueles momentos com apreensão, pensando que seria mais um capítulo da Primavera Árabe que varria o Médio Oriente e o Norte de África. Vimos que a Primavera depressa se transformou em Inverno de morte, fome e sofrimento.

Impávidos diante do êxodo de milhões de pessoas. Assistimos à transformação no Mar Mediterrâneo, num enorme cemitério, batido pelas ondas da incerteza e ventos da morte.

A Síria é Terra Santa, assim como Israel, a Palestina, a Jordânia, o Egito, o Líbano e o Iraque. A Síria está profundamente ligada a toda a cultura bíblica. Por lá passou o patriarca Abraão, vindo do atual Iraque, e que é o pai das três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, cristianismo e islamismo. Um dos maiores exemplos de fé, registado nas Sagradas Escrituras, foi a do general sírio Naamã, nos tempos do profeta Eliseu, o qual se banhou por sete vezes, durante sete dias, no rio Jordão, alcançando a cura da lepra que o afligia.

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Foi no caminho de Damasco que houve uma das conversões que mudou o curso da História: o judeu fervoroso, Saulo de Tarso, após o encontro com Cristo, passa de perseguidor e assassino dos seguidores de Jesus de Nazaré, a Paulo, o Apóstolo dos Gentios e autor de mais de metade do Novo Testamento. A São Paulo devemos a divulgação da nova fé em Jesus no Império Romano e no mundo helenístico.

Foi na Síria romana, mas atual Turquia, em Antioquia, que os seguidores de Cristo foram chamados de cristãos. A Síria é a terra do batismo dos cristãos. Foi lá que receberam o nome que os identifica.

Será que podemos ficar indiferentes, mais uma vez, ao fim da diversidade religiosa, do pluralismo étnico, num dos países que foi o berço da tolerância e da sadia convivência de diferentes correntes religiosas? Será que vamos ver o fim do cristianismo nas terras que o viram nascer? Porventura queremos que a visão do profeta Isaías, no capítulo 17 seja uma realidade? O profeta deixou escrito: «Eis que Damasco vai deixar de ser cidade: será reduzida a um montão de ruínas. As suas cidades, abandonadas para sempre, ficarão para os rebanhos, que repousarão ali sem que ninguém os espante. Efraim perderá as suas fortalezas e Damasco a sua realeza».

Tive e tenho a sorte de ter alunos sírios. Todos eles são diferentes. Cristãos orientais ou muçulmanos, mas extremamente afáveis, cordiais e tolerantes. Alguns eram filhos de pais cristãos e muçulmanos. Falam o árabe, o curdo e o aramaico. Esta última língua é a mesma que Jesus falava. Na Síria ainda se fala a língua que Jesus Cristo falava.

Nesta proximidade da celebração do nascimento do Messias, Jesus de Nazaré, possamos olhar para a Terra Santa, na variedade dos países que a compõem e encontremos o Caminho de Damasco, a estrada onde o ódio se transforma em amor; o rancor em perdão; e a guerra em reconciliação. Como São Paulo, deixemos cair as escamas dos nossos olhos e que nos impedem de ver a realidade. Que os nossos olhos se abram e vejam em cada ser humano, uma pessoa que tem direito a viver segundo a sua fé e os seus valores.