1. Durante seis anos (2010 a 2015) coordenei, no âmbito do projeto Budget Watch (BW), a análise de uma equipa de reputados economistas que analisou os sucessivos Orçamentos de Estado, sobretudo na sua transparência e rigor, isto é na sua dimensão técnica. Para além desta há uma avaliação política do OE2017 e uma avaliação estratégica que tenta ver um pouco mais longe: que são as orientações de médio prazo. Começarei por esta dimensão. Será que There Is No alternative (TINA) à austeridade como sugerem João Miguel Tavares e sobretudo Pacheco Pereira? Este defende no essencial que aquilo que leva à TINA são as imposições europeias de redução do défice que levam à estagnação económica, logo à incapacidade de satisfazer a própria base social de apoio deste governo, o que gerará instabilidade política e levará a prazo ao fracasso da atual fórmula governativa.

Para resumir o essencial do meu argumento: o OE2016 e o OE2017 mostram que é possível fazer diferente (TIA, There Is Alternative), mas que essa diferença não é sustentável a prazo se não houver também uma TIA à escala europeia dentro de poucos anos. Pacheco Pereira terá mesmo razão a prazo se não houver mudanças à escala europeia. Talvez por ser um pouco voluntarista e apesar de achar pouco provável penso que devemos trabalhar nos dois planos: o nacional e o europeu sabendo que uma solução europeia, a existir, será sempre por necessidade de sobrevivência e não por opção. Numa perspetiva estratégica dos próximos cinco anos, todos sabemos os desequilíbrios macroeconómicos e sociais que defrontamos. Ainda agora com este OE a revisão feita para o peso da dívida no PIB foi em alta (agora é uma redução modesta para 128,3% em 2017), como já tinha sido revista em alta consecutivamente todos os anos este rácio durante o governo PSD-CDS. Apenas em 2015, este rácio diminuiu ligeiramente por razões contabilísticas, isto é porque diminuíram significativamente os depósitos do Tesouro. A dívida, soberana e privada, são um problema nacional; o crédito improdutivo (os non performing loans) outro; fraco crescimento, baixa poupança e investimento outros; o enfraquecimento do Estado outro.

Se alguns problemas têm solução nacional outros não. Nem nós nem, felizmente, alguns outros países europeus teremos capacidade de crescer e gerar excedentes primários (sem juros) que levem a uma redução sustentável económica e socialmente do peso da dívida como previsto no “tratado orçamental”. A questão da alternativa, à escala europeia, terá de se colocar, sob pena de não ser apenas este governo, com esta maioria, que fracassará, será qualquer maioria de qualquer governo. Deve ser assim um desígnio nacional mudar a governação económica europeia e aliviar o fardo dos juros o que também exige uma resposta europeia. Enquanto isso não acontece os orçamentos deverão assegurar a continuação da consolidação orçamental, quer estrutural quer cíclica, sendo que não haverá condições para reduzir a carga fiscal nos próximos anos, mas ela não deverá aumentar.

2. Até lá temos de fazer orçamentos. E o OE2017 representa um caminho alternativo, não porque tenha acabado a consolidação orçamental (que obviamente não acabou) , mas porque sinaliza outra vez que as opções de políticas públicas e sociais deste governo PS são diferentes. No essencial que o desenvolvimento de Portugal não se poderá basear numa política de baixos salários e de supressão de direitos sociais, e que é necessário repor rendimentos (sobretudo dos mais desfavorecidos e da classe média) e repor direitos, o que só será sustentável com políticas que promovam o crescimento económico, os aumentos de produtividade, a inovação e o investimento. O debate que importa fazer a partir de hoje é saber em que medida este OE2017 promove estes objetivos.

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Vejamos agora os argumentos dos que acham que existe uma TINA baseados em que a carga fiscal supostamente aumenta. Mas será assim? Em finanças públicas há indicadores rigorosos (por exemplo carga fiscal) e indicadores estimados (por exemplo saldo estrutural). O esforço contributivo dos agentes económicos de um país, que também se designa por carga fiscal (tax burden), nada tem a ver com o nível absoluto das receitas fiscais, mas sim com a relação das receitas fiscais e contributivas (RFC) com o PIB. Do mesmo modo, para um indivíduo, a carga fiscal tem sobretudo sentido em termos relativos, ou seja, é medida pela relação entre o imposto que paga e os rendimentos brutos que tem. Podemos usar várias fontes para medir a carga fiscal e contributiva (por exemplo os quadros da pag. 231 do Relatório OE17). Sabemos que a carga fiscal aumentou significativamente em 2013 (governo PSD/CDS) e observamos que diminuiu de 2015 para 2016, mas manter-se-á em 2017 a verificar-se o mesmo crescimento (de 3%) para as RFC e para o PIB nominal.

Um dado objetivo e factual deste orçamento é que, ao contrário do que alguns referem, não há aumento da carga fiscal. Mais, se considerarmos apenas o rácio da receita tributária no PIB (excluindo as contribuições sociais) ela decrescerá marginalmente de 2016 para 2017 pois passa de 25% para 24,9%. Conclui-se assim que nem a carga fiscal nem a carga tributária aumentam neste OE, apesar de alguns novos impostos. A diferença na política orçamental está numa na incidência desta carga fiscal diferenciada entre grupos sociais e grupos de consumidores, mas sobretudo, do lado da despesa, uma nova política de prestações sociais que é mais redistributiva.

O essencial da alternativa política (TIA) é mostrar que existe a possibilidade de, sem aumento da carga fiscal, fazer alguma consolidação orçamental, e apresentar medidas de política do lado da receita e sobretudo da despesa, que promovem a redução das desigualdades. Trata-se de opções políticas, obviamente.

P.S.: Retomaremos de forma mais desenvolvida a temática do orçamento na nossa próxima crónica. A avaliação técnica do Orçamento leva mais tempo e deixo-a ao Budget Watch do IPP/ISEG 2017 enquanto desempenhar as actuais funções políticas.