Ouviu-se Jean-Claude Junker, numa opinião que é secundada por alguns portugueses, defender a criação de um “Exército” comum europeu, argumentando que nem todos os países pertencentes à UE fazem parte da Aliança Atlântica.

Tentarei demonstrar, do ponto de vista dos princípios e do ponto de vista técnico, que essa proposta é errada, perniciosa e perigosa.

Temos vindo a assistir, há já algum tempo, por parte dos políticos de esquerda, ao anatemizar da palavra “patriotismo”, tornando-a quase sinónima de “racismo” e, por parte dos políticos do “centrão”, a uma pressa em “aprofundar o processo europeu”, ao que parece passando também pela criação de umas Forças Armadas únicas, ao invés das Forças Armadas Nacionais que, relembra-se, se encontram enquadradas, na sua maioria, pelo Tratado do Atlântico Norte e, na sua totalidade, pelo Tratado da União.

Citando Roger Scruton* na crónica “Porque é que o Iraque é uma causa perdida”, “nós, no Ocidente, herdámos uma forma de identidade (…). Identificamo-nos relativamente ao nosso país e à sua lei (…). Devemos lealdade à nação e incluímos na nação pessoas de diferentes religiões e diferentes laços familiares.

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Pegando na minha interpretação das palavras deste filósofo contemporâneo, maldito para a esquerda (e, ao que sei, também para alguns liberais portugueses), as lealdades vão do indivíduo para a nação (e não para o Estado), sendo a nação a entidade que congrega aqueles que vivem num determinado território, cujos cemitérios se encheram para ser reconhecido e para que nele as gerações futuras pudessem viver e prosperar.

Nas palavras do mesmo pensador, “Que torna possível um democrata? A resposta é: a nação. Quando definimos a nossa lealdade nacionalmente, podemos deixar de lado todas as diferenças de religião, tribo e etnia e submeter-nos a um sistema de lei comum. Participamos na elaboração dessa lei e concordamos em nos vincular a ela, porque é a nossa lei, que atua sobre o território que é nosso”.

Tendo estes pontos como premissa e, pegando nas funções de soberania, compete ao estado garantir a segurança dos nacionais (e dos não nacionais residentes no seu território) e a defesa desse espaço perante ameaças externas.

A tentativa de criação de umas Forças Armadas europeias, e não “Exército” (que é, somente, uma das componentes das Forças Armadas), faz tábua rasa ao conceito de estado-nação, tentando transferir para uma entidade artificial, supra-nacional, a lealdade de cada indivíduo. Do ponto de vista dos princípios fica, no meu entendimento, demonstrado que não existe qualquer razão para se avançar com uma proposta neste âmbito, podendo a mesma destruir de forma perniciosa a ligação do indivíduo à nação sem criação de qualquer valor.

Do ponto de vista técnico, as Forças Armadas, que, ao invés da sua destruição, não se criam com a publicação de um decreto, necessitam de uma estrutura de comando e de controlo, de uma doutrina de emprego e de meios. Meios humanos, meios materiais e meios financeiros.

Os meios humanos necessitam de ser recrutados, formados e retidos.

Os meios materiais necessitam de ser adquiridos ou construídos.

Os meios financeiros necessitam de ser disponibilizados.

Todos estes meios resultam de um levantamento de necessidades baseado nas ameaças externas, no ambiente estratégico e operacional e nas possibilidades existentes ou a criar. Esse levantamento deverá estar vertido num qualquer conceito estratégico (que já não nacional mas sim supra-nacional) que preveja, inclusivamente, os cenários do seu emprego.

Pensando então nessa super-estrutura europeia, centremo-nos em algumas questões e, para facilitar, somente nos países pertencentes à União Europeia.

Estrutura de Comando e Controlo:

Nível político – Antes de tudo, como seria a relação com a Aliança Atlântica? Seria esta extinta? As “Forças Armadas Europeias” responderiam a quem? Ao Parlamento Europeu, único órgão europeu eleito diretamente pelos cidadãos dos países membros da UE? Ao Conselho Europeu? Ao Conselho da União Europeia? À Comissão Europeia? Ao Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum (Vice-Presidente da UE)?

Nível Estratégico – Quais os ramos e/ou componentes a criar? Como seriam organizados e coordenados? Onde se localizaria e qual a estrutura do Comando Estratégico das “Forças Armadas Europeias”?

Nível Operacional – Qual a organização das “Forças Armadas Europeias”? Quais as ameaças a fazer face?

Nível Tático – As “Forças Armadas Europeias” seriam constituídas no seu nível tático por unidades nacionais ou multinacionais? Existiria uma língua oficial comum?

Doutrina de emprego:

Que órgãos seriam responsáveis pela criação de um doutrina de emprego comum? Como se treinariam as Táticas, Técnicas e Procedimentos? Seria baseada na doutrina NATO? Se sim, como seria para os países que, pertencendo à UE, não fazem parte da Aliança?

Meios:

Meios humanos – Como se procederia ao seu recrutamento? Tendo em conta a quebra do vínculo de lealdade para com a Nação, assistir-se-ia, Europa fora, ao recrutamento por conscrição? Como seria a formação dos Quadros e do restante pessoal? Criar-se-iam Academias de Oficiais e de Sargentos em todas as (antigas?) nações? E a formação das Praças?

Meios materiais – Tendo em conta o complexo industrial de defesa de alguns países da UE, os meios seriam obtidos tendo isso em consideração? Seriam interoperáveis com os restantes meios da Aliança Atlântica? Seriam adquiridos com base em que critérios?

Meios Financeiros – Como seriam disponibilizados? Seria criado um imposto europeu para financiamento das “Forças Armadas”?

Além de tudo isto, se falamos no contexto da UE, como seriam estas Forças Armadas sem a contribuição do Reino Unido, provavelmente a maior potência militar europeia?

Em jeito de conclusão, por mais bonita e virtuosa que pareça esta ideia, a mesma não é, no enquadramento existente, exequível. No campo dos princípios é perniciosa e perigosa, no campo técnico é, no mínimo, e no ponto em que hoje nos encontramos, inatingível.

É hora de reforçar o já existente. Modernizar os meios materiais colocados à disposição das Forças Armadas nacionais. Recrutar, treinar e reter os seus meios humanos. Aprofundar a solidariedade dos Aliados cumprindo os acordos, incluindo os respeitantes ao financiamento, e reforçar a ligação com as restantes Forças Armadas dos países da UE não pertencentes à Aliança Atlântica.

Forças Armadas Europeias? Não obrigado!

Aliança Atlântica com reforço do pilar europeu, através do cumprimento dos compromissos assumidos? Sim, por favor!

* Scruton, Roger, Contra a Corrente, as melhores colunas, críticas e comentários, Edições 70, Junho de 2022