O alarido mediático à volta da eleição de André Ventura para o Parlamento constitui um ato de propaganda para o próprio e, à boa maneira da esquerda e da extrema-esquerda portuguesas, deixa de fora o essencial da questão. Algo semelhante ao que se passou há meia dúzia de anos, quando Anders Hellström, referindo-se à sua Suécia, escolheu para título de um artigo o grito de pânico: «Help! The Populists are coming!».

Na verdade, então como agora, os populistas não estão a chegar. Há muito que já cá estavam. Aliás, vieram para ficar, sendo que a sua visibilidade dependerá dos meios de comunicação social, da rede e do comportamento dos partidos tradicionais.

Voltando a André Ventura, como é sabido, esta não foi a sua primeira aventura política. De facto, o PSD, o CDS e o PPM patrocinaram a sua candidatura à Câmara de Loures nas mais recentes eleições autárquicas. Só que o discurso do candidato caiu mal nas cúpulas laranja e o CDS retirou-lhe o apoio. No entanto, o facto de ter conseguido mais 5700 votos do que o PSD tivera na eleição anterior, convenceu-o de que poderia continuar a tirar proveito do mediatismo televisivo enquanto comentador de futebol e do discurso politicamente incorreto a que recorrera em Loures.

A criação do Chega foi um passo previsível. Tal como a designação escolhida. Um partido populista. Basta ver a forma como André Ventura articula o discurso e a maneira como apresenta soluções simplistas ao arrepio da complexidade dos problemas. Algo que não deveria ser compatível com as elevadas classificações que obteve ao longo do seu percurso académico. Na realidade, como explicar, entre vários exemplos, o seu slogan a defender que Portugal tem deputados a mais, antes de ler qualquer estudo comparativo com os restantes países da União Europeia. Uma leitura que lhe permitiria verificar que Portugal está abaixo da média europeia no que concerne à relação entre o número de deputados e de eleitores. Dito de uma forma mais clara: não é a quantidade, mas a qualidade de desempenho que deverá ser questionada.

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Só que, no meio de tanta algazarra, não houve espaço – digamos assim – para que uma parte considerável da comunicação social se debruçasse sobre os dois lados da questão. A subida do populismo dito de direita ou de extrema-direita ganhou direito a um quase monopólio comunicacional. Não por ser a primeira vez que se vai sentar no Parlamento, mas por ser visto como o único inimigo da democracia. Uma interpretação assente no pressuposto de que não há mais partidos populistas na Assembleia da República ou, então, de que o populismo só é perigoso se for de direita.

Verdade que ainda houve algum tempo para a reflexão sobre o que o populista Bloco de Esquerda vai fazer enquanto terceira força mais representada no Parlamento. Porém o tempo não chegou para discutir as razões que terão levado um partido com uma obsessiva visibilidade mediática a perder tantos votos. Se o mediatismo resultou com outro partido a caminho de populista, que dá pelo nome de PAN, como é que o tempo de antena não funcionou no caso do BE? A ecologia não explica tudo!

Uma descida, mesmo assim, muito mais suave do que aquela que sofreu a populista CDU. Um descalabro incomensuravelmente superior àquele que o PCP julgava possível. O preço a pagar pela momentânea interrupção da sua veia antissistema. Tempo de saudades do líder histórico.

Do exposto talvez não seja abusivo concluir que a eleição de André Ventura funcionou como um eucalipto. Secou todas as análises sobre o papel – e o perigo — dos populistas de esquerda no Parlamento Português. Nem sobrou tempo para analisar a eleição da candidata do Livre. Um assunto pertinente face a algumas afirmações por ela proferidas. Afinal, os portugueses talvez gostassem de saber a razão de Joacine Moreira se afirmar como a futura voz no Parlamento da “esquerda antifascista”, da “esquerda antirracista” e do “feminismo radical”.

Não tenho dúvidas de que o populismo encabeçado por André Ventura, mais do que um perigo para o modelo pós-25 de Abril, representa uma afronta para a maneira portuguesa de estar no Mundo. Só que também tenho por adquirido que o populismo dito de esquerda, mesmo quando não assumido publicamente, constitui uma ameaça para a democracia.