1 No último sábado, olhando ao serão através das televisões o “filme” de mais uma nacional tragédia política era difícil não estar sempre a tropeçar no espanto exuberantemente exibido por tantos: interjeições de surpresa, rostos siderados, sorrisos ao viés. “O quê? Rio ganhara? Mas como?”. Ah este “como”. E no entanto… é a tal coisa, observação atenta substituída – mas porquê? – por certezas antecipadas. Lupa desadequada para constatar o que ia de facto ocorrendo no “terreno” e não aquilo que muitos queriam que viesse a ocorrer. Ponto final.

2 Nesse mesmo sábado eleitoral discorrera aliás aqui no Observador num artigo sobre a desvalorização da observação face a sobrevalorização da sondagem como “o” instrumento mais fiável para descodificar comportamentos eleitorais. Escrevia-o obviamente antes de saber os resultados Rangel/Rio na corrida do PSD; escrevi-o por me lembrar de como, de uma forma geral, a campanha Moedas/Medina tinha sido mal observada. Mas – e eis o ponto – escrevi-o sobretudo por me ter apercebido de que Rio iria ganhar contra a expectativa de Rangel, do seu núcleo duro, das suas hostes. (E embora me parecesse politicamente mais avisada a vitória de Paulo Rangel – comecei em Julho a dizê-lo-lo na TVI, por exemplo –, tal simpatia nunca me impediria de notar e afirmar o que a realidade ampliava.)

O tempo passou, a campanha começou, a política seguiu, mas é aí que entra essa necessidade de saber “ver”, percepcionando os sinais: no caso de Rangel, começaram todos a avermelhar: na batalha interna do PSD iam ocorrendo grosso modo os mesmos erros que vira há três meses, no combate autárquico lisboeta: do lado de Paulo Rangel via-se a olho (demasiado) nu que a sua campanha se havia prematuramente instalado na vitória como quem se senta num sofá. Tal como Medina também fizera, dando a impressão aos lisboetas que era só esperar que lhe fossem entregar a vitória a casa, como se fosse uma pizza. Enquanto Moedas se esfalfava energicamente por estar, ir, explicar, combater, Fernando Medina não se inquietava: a autarquia não era dele? Não sendo obviamente comparável com arrogância do PS nas recentes autárquicas, capitaneada por um tonitruante António Costa, os laivos de sobranceira displicente no baronato de Rangel também não caíram bem na militância.

Em resumo: Rio – tal como fizera Moedas em Setembro – nunca desistiu, atravessando adversidades várias e batendo-se mais e melhor estrategicamente que o adversário. Rangel, desorientava quem retivera o seu magnífico discurso de apresentação de candidatura, e lhe apreciava as muitas qualidades, descendo todos os dias, vitória abaixo, em vez de subir vitória acima. Começava a não haver dúvidas: certa do epílogo desta falhada história, no sábado de manhã mandei um sms a um colega que insistia em que Rangel levaria a melhor: cada um ficou na sua, mas se havia altura em que tivesse preferido estar enganada era esta: ficou por semear a esperança de que o vento rondasse e outro tempo político viesse. Não veio, não virá: ninguém quer mudar. (E veja-se a propósito de não querer mudar, o empurrão dado a Rui Rio à última da hora por uma sondagem tão estranha da Pitagórica e com perguntas tão forçadas que todas as dúvidas passaram a ser legítimas: que era aquilo?)

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3 Rangel perderia com a dignidade de quem havia ganho enquanto Rio vencia com o mau ganhar de quem tivesse perdido. São naturezas. É lá com ele.

O que já é com metade ou quase metade do país é ter de conviver com um sistema que começa no “centro esquerda”, líder da oposição “dixit”. Mas em que sistema politico é que o maior partido de oposição às esquerdas, se auto-situa e prefere ao centro-esquerda? Se Rio assim prefere intitular-se e definir-se está a desistir de muitos milhares de portugueses que politicamente procuravam a família que lidera. A desistir de ser o motor de arranque – e o próprio combustível – de um espaço imensamente maior do que aquele que ele próprio delineou e onde se confinou: a desistir do espaço todo à direita do PS o que politicamente não é dizer pouco. Irá fechar em vez de abrir, fragmentará em vez de unir. Um dia o país pedir-lhe-á contas pela oportunidade perdida de nada mudar; pela sua “preferência” em acreditar que fará reformas com o PS em vez de compreender que é justamente com o PS que elas serão impossíveis de concretizar. Sim, claro as coisas irão mudar. Para pior.

Passámos os últimos anos a padecer da originalidade de metade do país não existir politicamente: o centro e a direita foram sistematicamente humilhados e ofendidos pelo poder socialista, eram uma “não-existência”.

Agora, mesmo sabendo-se como este PSD não quer ser, e já não é, “o” PSD dos grandes líderes que se conheceram, fica-se pasmado com um líder que politicamente aspira a ser a bengala do maestro em vez do próprio maestro.

PS1. De uma coisa estou certa: a Ordem dos Economistas ficará mais que bem entregue nas mãos de Pedro Reis, que esta semana irá disputar as eleições para novo bastonário da Ordem. Em dias incertos passou a ser um luxo poder contar-se com os homens certos para algumas tarefas.
PS2. Quando no dia 1 de Agosto deste ano de 2021 fiz uma entrevista a Frederico Varandas — a primeira grande entrevista que deu após o seu clube ser campeão nacional — o presidente do Sporting não tropeçou nas palavras: Luís Filipe Vieira não seria seguramente o único homem do futebol a ter de prestar contas à Justiça, outras moradas se seguiriam à do Benfica. A Justiça o dirá mas parece que ele tinha razão. Porque me ocorre isto? Porque apesar de ser desde sempre “militante” do Benfica nunca me passou despercebida a diferença introduzida por Varandas no meio futebolístico português: outra postura, outra exigência, outra lisura. Outra liderança.
PS3. Só posso falar pelo meu posto de vacinação – na lisboeta Rua da Escola Politécnica — mas como gosto de gostar e depois dizer que gostei, daqui aplaudo a eficiência, a disciplina, a rapidez, a cordialidade com que tudo fluiu (nunca se percebe o que tem de ocorrer para que umas coisas corram tão bem e outras tão mal).