1 Então agora é muito simples: ou o PSD faz caso da advertência recebida através da ultima sondagem e mete uma quinta, ou não faz. Não existem terceiras vias. (E se existirem, não interessam). Já se sabe que não há pior mensageiro que uma sondagem: a esperança derramada sobre os primeiros lugares nunca é uma garantia definitiva, a fiabilidade dos números nunca é cem por cento segura, a sua manipulação nunca é de excluir, a influência de cada ar do tempo nunca é igual, de circunstancia para circunstancia. Já são demasiados “nuncas” mas as sondagens são como as estações do ano: tratam todas do clima, variam segundo as épocas mas é preciso fazer (algum ) caso delas.

O PS perdeu sete pontos, o PSD não beneficiou com isso. A perda socialista era mais que previsível, os magros ganhos do PSD foram uma surpresa. Apesar de tudo, foram.

De modo que agora ou “se” muda de cabo, ou se desce para a segunda divisão.

E se assim fosse teríamos o país circunscrito a um mapa partidário que o deixaria pessimamente entregue e impossivelmente governável. Nefastas consequências.

É certo que há uma atenuante que não é de somenos, aliás, duas: a falta de palco parlamentar do PSD – e doutros palcos – e a ausência de uma atenção mediática digna do maior partido da oposição. Por partes: ninguém ignora que o PSD como um todo nacional é melhor do que a bancada escolhida por Rui Rio em tempos de má memória partidária; segundo: ninguém substitui a ausência do líder de um partido na primeira fila da sua bancada, o líder é o líder (sim já sei, La Palisse não diria melhor mas por vezes é preciso agarrar no óbvio e atirá-lo para o campo). Não há tropas convincentes, convencidas e unidas por interposto general. No caso, escolhidas por um general que serviu a guerra errada. Pior, portanto.

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Se à falta de palcos se somar o desinteresse entediado da media face ao PSD — quem se interessou, por exemplo, pelo bem fundamentado “pacote de Habitação” apresentado pelo partido há pouco tempo atrás? — estas atenuantes não são uma ficção. Mesmo que ninguém entre no céu político levado por anjos de asas “atenuantes”.

2 O que é mudar de cabo? É ser mais pró-activo que reactivo; é propor mais do que meramente criticar; é dizer mais do que falar. Transmitir alguma coisa a alguém ou a uma plateia convencendo uma e outra não é de todo o mesmo que falar de umas coisas e criticar outras, reagindo e não pro-agindo. (La Palisse, outra vez).

Mudar de cabo é saber mostrar que além do tonitruante, truculento, turbulento Ventura não há ninguém – nem ideia nenhuma – no Chega. A menos que se confundam borbulhantes retóricas de protesto com programas políticos nacionais ou que nos comovamos excessivamente com quem quer abrigo para o seu ressentimento (sem perceber que nunca será consolado em tão infértil solo político.) Aliás – vem nos livros – no dia em que o Chega entrasse para um governo de centro-direita a sua recalcitrante retórica sumir-se-ia dos radares e o Chega surgiria escanhoado e de gravata após ter trocado o militante ressentimento por uma cadeira no governo. É da natureza humana. O perigo – sempre ampliado – que “se” diz que o Chega representa pelos temas que persegue, sempre me pareceu menor do que o facto de ele ser apenas uma mera cabine de protesto. Tem 13% dos votos? Talvez: atrapalha os outros e nunca “salvará” o país. Onde está a estratégia fora da terra queimada? As prioridades fora do discurso alarmista? Os quadros, fora algumas figuras pescadas à pressa para se sentarem no parlamento? A capacidade política para além da omnipresença obsessiva de André Ventura ou da rua comicieira? Não deve haver voto mais inútil.

Um equívoco – entre outros – que caberia a Luís Montenegro e aos seus pares separar como o trigo do joio embora – convém recordar – o equívoco, tal como o grupo parlamentar, também tenha sido herdado: Rui Rio, deixando a direita entregue a si mesma e “à solta”, adubou e regou esse espaço. O Chega agradeceu e desabrochou. E em vez de ter sido pressentido e depois “incorporado”, estupidamente cresceu. Erro político sem perdão.

Também convinha, já agora, perguntar à Iniciativa Liberal o que é a Iniciativa Liberal: o que é este novel partido – mas que no último Congresso já parecia ter cem anos – mais o seu molhe de mal misturados “liberalismos-libertários”?

Que pretendem fazer deles próprios? Com quem? Para quê?

O que quero significar? Isto: que só há um lugar para o PSD. Um único. O de se autocolocar convincentemente, credivelmente, indiscutivelmente, na carruagem da frente do comboio da oposição, liderando e conduzindo as oposições até aos portos de cada eleição.

Lembrando ao CDS o que não será preciso lembrar: que desde 1979 do século passado sempre souberam – ambos, PSD e CDS – quando deviam estar juntos e para quê; convencendo a IL que é melhor estar politicamente bem acompanhado do que partidariamente só; explicando a Ventura que a escolha é entre apoiar o PSD sem contrapartidas ou ser responsabilizado pela já tumular eternização do PS no poder, que no caso é o mesmo que dizer no país. Não parece, nem é pouco. É racional. E politicamente indispensável.

3 Um dos maiores mistérios da política portuguesa é a vergonha embaraçada do PSD face à sua história, à sua marca no país, ao seu património. Ao contrário das esquerdas que por saberem esse património uma realidade inapagável gastam tempo e palavras a desmenti-lo, o PSD não. Disfarça-o em vez de o fazer brilhar, omite-o em vez de o pôr a render. O mistério – misteriosíssimo – é o maior desperdício político de que me lembro nestas últimas décadas.

O PSD foi o primeiro partido a saber congregar outros da sua área política numa aliança contra o poder militar e as esquerdas radicais, em nome de uma democracia civilista. Fê-lo Sá Carneiro em 1979 numa altura em que era quase impossível fazê-lo, demonstrando ser possível vencer as esquerdas e o cerco do ar do tempo; Cavaco Silva – o único político português detentor de quatro maiorias absolutas – foi, à frente do PSD, o autor das maiores e mais decisivas reformas estruturais levadas a cabo em meio século, desenvolvendo, modernizando e europeizando Portugal; Passos Coelho salvou o país de uma bancarrota certa, lidou com uma humilhante troika, dispensou resgates, pôs o país a crescer no final de 2013 e ganhou as eleições a seguir, deixando como brinde uma espessa almofada financeira que muito acudiu aos geringonços.

Fazer oposição é também lembrar tudo isto cem vezes, mil vezes, todas as vezes. Como exemplo, como proposta, como garantia.

4 Isto dito não penso de modo nenhum que a “culpa” – prefiro dizer responsabilidade – pertença apenas a Luís Montenegro. Acompanhei de muito perto os anos da troika, apercebi-me do que foram os “trabalhos de Hércules” de Montenegro ao assegurar – sem nunca perder autoridade, convicção ou capacidade de liderança – o rumo parlamentar das bancadas do PSD e do CDS que liderou por mais de quatro sobressaltados anos no hemiciclo de S. Bento: foram por exemplo sempre maiores do que se sabia publicamente as dúvidas e as angústias do CDS na sua articulação com o PSD; foram sempre indecentes as mentiras ditas pelo PS sobre a situação financeira do país em 2011, foi ainda mais indecente a sua total desresponsabilização na iminência da banca rota que culminou com a vinda da troika e as suas duríssimas exigências; foi manter o país convicto da bondade dos sacrifícios exigidos dos quais as bancadas parlamentares do PSD e do CDS também eram o veículo e simultaneamente o espelho. Ou seja Luís Montenegro terá certamente também ele uma quota parte de endurance política na vitória eleitoral da coligação em 2015.

Sucede que são águas passadas, logo méritos passados. É preciso mais. Sair, ter iniciativa, atrair a qualidade, ser capaz de escolher os melhores em vez da costumada rendição à partidarite e as suas aflitivas chantagens. Ouvir (e aprender) com quem deu provas ou mostrou excelência nas áreas hoje em ferida aberta no país e são quase todas. Escancarar uma janela na bolha interna do PSD e deixar entrar ar. O melhor ar.

A empreitada parece impossível? Veremos. Talvez não seja.

PS: A amizade cria responsabilidades. O respeito por ela cria ainda mais. São uma e outro que me trazem hoje junto do Padre Mário Rui Pedras, a quem uma denuncia anónima relacionou com o trágico caso dos abusos na Igreja. Trabalhei muitas vezes com o Padre Mário Rui, conheço-o muito bem e há muito tempo, integrei equipas lideradas por ele. A minha família e eu própria escolhemos o Padre Mário Rui para celebrar a última missa na nossa casa do Campo Grande, antes de nos despedirmos dela. Tudo isto para deixar aqui, na Semana Maior do Cristianismo, o testemunho de confiança e gratidão que lhe devo.