A palavra do ano 2023 é “professor”. Uma escolha adequada para um ano turbulento. De facto, pelas piores razões, 2023 foi o ano em que o país ganhou consciência de como a escassez de professores colocou em risco o funcionamento das escolas e a aprendizagem dos alunos.
Gostaria de poder tranquilizar o leitor assegurando que a turbulência ficou para trás, em 2023. Mas a turbulência veio para ficar — e só quem desconhece os dados poderá acreditar na ilusão de que o pior já passou. Até 2028, a vida nas escolas prevê-se cada vez mais difícil, com as aposentações a subir em flecha e com a pressão elevada sobre os directores para não deixar alunos sem aulas. Como não existem soluções mágicas, o ano lectivo em curso continuará a ser atingido pela escassez de professores — 2024 baterá novos recordes em número de aposentações. De acordo com estimativas ontem divulgadas pela FENPROF, esta semana, cerca de 40 mil alunos deverão ter recomeçado as aulas sem professor a uma disciplina, pelo menos. Mais grave ainda: estima-se que 2 mil alunos tenham algum professor em falta desde o arranque do ano lectivo — ou seja, ainda não tiveram aulas na disciplina correspondente.
Imagino que muita gente se fará surpreendida com a situação dramática que estes números retratam. Ou estavam desatentos, ou estão a fazer teatro. Desde 2017/2018 (pelo menos), qualquer pessoa que consultasse um relatório estatístico sobre o perfil dos docentes teria constatado o óbvio. Por um lado, o envelhecimento dos professores tornara-se indisfarçável e um problema iminente. A estimativa de aposentações anuais de professores (pelo CNE), entre 2020 e 2030, anunciava a saída de cerca de 40% dos professores do quadro, com tendência crescente até 2028. Por outro lado, o recrutamento de novos professores anunciava-se improvável na escala necessária (estimou-se a necessidade de recrutar 34500 professores até 2030, algo difícil de satisfazer perante os escassos inscritos nas licenciaturas e mestrados de Ensino). Moral da história: o sistema educativo teria, mais cedo ou mais tarde, de lidar com o risco efectivo de um vazio de professores nas salas-de-aula, o que prejudicaria não somente os alunos como as condições de trabalho nas escolas. Ora, 2023 foi o ano em que o problema se tornou grande demais para ser desvalorizado.
No meio de uma tempestade, subsiste uma grande diferença entre quem se preparou e quem foi apanhado desprevenido. A aposentação em massa de milhares de professores, num curto período de 10 anos, representaria sempre um grande desafio para as escolas. Mas isso não invalida que os expectáveis efeitos negativos da escassez de professores pudessem ter sido minimizados, caso o Ministério da Educação tivesse agido atempadamente. Não o fez, pois só reagiu entre 2022 e 2023. Relembro o inesquecível: até final de 2021, o Governo ignorou o problema — fosse nas políticas públicas (não tomou medidas), fosse no discurso (desvalorizou o tema). Em Dezembro de 2021, o então ministro Tiago Brandão Rodrigues até acusou de “alarmismo” quem chamava à atenção para as dificuldades de recrutamento nas escolas, perante a falta de professores e alunos sem aulas. Em Setembro de 2023, já com algumas medidas de emergência em curso, o ministro João Costa pediu tempo: “um problema com 50 anos não se resolve em meses”. Facto indesmentível: tempo foi o que se desperdiçou, no Ministério da Educação, acordando-se tarde demais para um desafio que exigia análise prospectiva, planeamento e pensamento reformista — capacidades que o governo evidenciou não ter.
Em 2024, milhares de alunos estão ainda sem professor a pelo menos uma disciplina. Todos sabíamos que a onda de aposentações abalaria as escolas. Mas, porque o Governo passou anos a ignorar um problema previsível, essa onda formou um tsunami sobre os alunos. Agora, o embate será muito mais severo.