Entre 2005 e 2009, era então ministro da Economia, Manuel Pinho auferiu 15 mil euros por mês do BES, banco onde trabalhara antes de ir para o Governo. O que me parece perfeitamente normal. Quem é que, depois de mudar de trabalho, não tenta preservar alguma ligação ao anterior emprego? Habitualmente é jantando com os ex-colegas, ficando no WhatsApp de grupo ou mantendo as futeboladas às quintas feiras. Pinho preferiu fazê-lo continuando a receber dinheiro da empresa. São opções.
Como seria de esperar, mentes retorcidas insinuam que, na realidade, Manuel Pinho continuava a trabalhar para o BES. O que não faz sentido nenhum. Por várias razões. Primeiro, os tais 15 mil euros não sofreram actualização durante os quatro anos em que Pinho foi ministro. Alguma vez isto aconteceria se se tratasse de um salário? Sem ao menos um aumento por causa da inflação? Além de que, se fosse salário, Pinho também teria direito ao 13º mês e ao subsídio de Natal. Não é plausível que o seu colega Vieira da Silva, ministro do Trabalho e campeão dos direitos laborais, deixasse o BES escapar impune com este abuso. Mais: nem sequer se pode dizer que fosse estranho o BES pagar a alguém para não trabalhar. Na altura pagava à D. Inércia para entrar em anúncios onde não fazia nada.
Em segundo lugar, quem é que precisava de acumular dois empregos nos gloriosos tempos da abundância socrática? Isso foi só depois, durante os anos de chumbo da troika. Aí, sim, os portugueses penaram.
Finalmente, que necessidade tinha Ricardo Salgado de contar com o ministro da Economia a soldo, se já controlava o primeiro-ministro? Seria uma ineficiente redundância de corruptos. E Salgado, genial homem de negócios, sempre soube alocar recursos eficazmente. Em especial os provenientes de saco azul. Outra coisa: já viram como Ricardo Salgado anda sempre tão bem vestido? Trata-se de alfaiataria inglesa. Corte impecável, fato feito ao corpo, sem fazenda a sobrar. É óbvio que no bolso de Ricardo Salgado só há espaço para um membro do Governo.
Há outra questão. O viés maldoso que leva as pessoas a concluírem que Manuel Pinho seria uma espécie de agente duplo do BES no Governo, em vez do oposto. Quem garante que não era o contrário, que Pinho era uma toupeira do Governo no BES, prejudicando o banco a favor de Portugal? A verdade é que, passados 10 anos o BES já não existe e, até ver, Portugal continua.
Apesar de tudo, percebe-se que o Expresso tenha perguntado: “Não lhe causa estranheza que um ministro em funções possa receber uma remuneração do sector privado?”. Ao que Pinho respondeu: “Na altura certa darei a resposta certa. Quando uma pessoa quer dar um tiro, que seja no alvo, e que não seja como os cowboys a dar tiros para o ar. Relativamente a esta matéria não quero dar tiros para o ar. Quando for para dar, darei um tiro no alvo”.
Pelos vistos, há uma justificação válida para o responsável pela pasta da Economia receber em segredo dinheiro de um grupo económico com interesse directo em várias decisões tomadas pelo seu ministério. Depois desta resposta, só por má vontade é que alguém pode continuar a duvidar de Pinho. É como uma mulher apanhar o marido na cama com a amante e perguntar:
“O que é isto?”
Ao que ele responde:
“Na altura certa, darei a resposta certa”.
E ela insistir:
“Se há uma resposta certa, diz agora!”
Terminando ele:
“Agora não. Não gosto do teu tom, não pediste se faz favor e nem sequer cumprimentaste a minha amiga, que está visivelmente embaraçada pela tua falta de cortesia. E para a próxima bate à porta”.
Mas é também uma resposta arriscada. Aqui, Pinho dá razões ao Ministério Público. Mostra-se alguém que não deseja desperdiçar balas, um homem poupado. Justamente a característica que agrada a corruptores. Pode ter sido por isso que a EDP se interessou por Pinho: fê-la poupar imenso dinheiro.
Aliás, a ligação à EDP é a maior fonte de desconfiança do MP. Foi com o patrocínio da empresa que Manuel Pinho deu aulas numa Universidade dos EUA. Foi por ter ido anunciar o patrocínio da EDP ao clube de futebol de Aljustrel que Manuel Pinho ouviu a boca do deputado do PCP, à qual respondeu com os famosos corninhos. E, vai-se a ver, se calhar deve-se à EDP o facto de a Justiça andar há tanto tempo às escuras.
O estranho não é Manuel Pinho ter conseguido escapar da Justiça portuguesa. É ter conseguido escapar dos seus alunos da Universidade de Columbia. Como próprio admite ao Expresso, são jovens que pagaram uma pequena fortuna para assistir a aulas em que Manuel Pinho se apresentava como especialista em energias renováveis. Ora, sabendo o balúrdio que, por causa dessa especialidade, os portugueses ainda pagam na conta da luz, é evidente que os estudantes americanos foram aldrabados. É uma questão de tempo até um deles vir tirar satisfações ao Algarve. Ao Allgarve, digo.