Desde o início do século que Portugal já vivenciou duas secas severas. Pela forma como se está a desenhar, 2022 será mais um ano de seca. No início do ano, 66% do território português estava em seca extrema. As barragens, em fevereiro, estavam em mínimos expondo as ruínas das várias aldeias submersas o que levou à suspensão da produção de energia hidroelétrica. Isto num ano de crise energética!

Na história do planeta sempre existiram períodos de seca. A questão que se coloca é o aumento da frequência com que estes períodos têm acontecido.

Se perguntarmos a qualquer octogenário porque não chove, ele rapidamente vai enunciar os invernos rigorosos de outros tempos. Até eu tenho a perceção que os invernos no passado eram bem mais duradoiros e rigorosos. Não levasse eu com eles desde os 6 anos no caminho para a escola primária, onde íamos de galochas e depois na sala de aula tínhamos umas pantufas para tentar aquecer os pés, porque a salamandra era insuficiente para toda a sala de aula.

Sendo a seca um fenómeno natural caracterizado por longos períodos de tempo com ausência de precipitação. Poderíamos ficar descansados. Porém, a dada altura, já percebemos que este mero fenómeno natural, se está a agravar devido às alterações climáticas. Estas sim, não têm apenas causas naturais.

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Em Portugal a agricultura, intensiva, consome 75% da água do país. Assim sendo, sempre que vivemos um período de seca os agricultores e pastores são os primeiros a dar o alerta. Pedem mais barragens, mais açudes, mais obras, mais investimentos…Precisamos de água para produzir legumes, carne e energia…No geral para viver!

As barragens não são inócuas. Têm impacto ambiental. Interferem diretamente no ecossistema, afetando, não apenas, o ciclo da água e por consequência, o habitat marinho, como também plantas, insetos, aves, mamíferos. No curto médio prazo o impacto de uma barragem é positivo, todavia no longo prazo estamos a condicionar a nossa capacidade de retenção de água.

A barragem do Alqueva cujo investimento foi de 2,5 mil milhões de euros, serve a produção de energia, essencialmente para a EDP, e o cultivo intensivo de olival e amendoal explorado essencialmente por empresas estrangeiras. O argumento de uma barragem ser transformadora para a população da região cai por terra quando os últimos censos mostram que a população na região do Alqueva, por exemplo, diminuiu em 10%.

Recentemente foi anunciado que 120 milhões da bazuca serão para a barragem do Pisão, que ainda nem estudo de impacto ambiental tem. Há inclusive uma promiscuidade neste campo. Muitas vezes as empresas que fazem os estudos de impacto ambiental são as mesmas que beneficiam com a construção das barragens.

O nosso atual modelo e a nossa urgente demanda alimentar têm ditado uma intensificação da monocultura na agricultura, que por si só já não é benéfico para os solos.

Estar apenas focado na construção de barragens, como se fosse o último santo Graal, é hipotecar todo o futuro hídrico do país. Devemos começar a pensar em aumentar a nossa eficiência energética. A energia hidroelétrica é renovável, mas não sustentável, dada a sua produção ser invasiva para os ecossistemas. Podemos e devemos diversificar as nossas fichas. Apostar muito mais em energia solar, esta sim, mais sustentável, desde que não se usem os terrenos agrícolas para os painéis solares. Temos muita área urbana que pode e deve ser rentabilizada. Não faz sentido colocar painéis solares em extensos campos de terreno, o que impede a absorção de nutrientes por parte dos solos e ocupa uma área desnecessariamente. Todos a zona de construção poderia ser rentabilizada para a produção de energia.

Importa ser perspicaz na gestão dos recursos hídricos e na gestão da produção energética. Serão elementos estruturais no futuro e não meros desafios para ir remediando anualmente. Implementar uma transição ecológica como se defende no PRR tem de ser feito de forma estrutural e para o longo prazo não na ótica de o último que feche a porta que nós já nos safamos.