Quem ler os jornais por estes dias vai reter a ideia de que existe um tumulto dentro do PSD, sobretudo em Lisboa. Fica convencido de que o partido está em ebulição por causa das autárquicas e que na capital todo o PSD Lisboa se levanta, em bloco, contra a ideia de uma coligação de centro-direita. Todo? Não!
Na realidade vivemos um período de agitação que tem origem clara e circunscrita – uma origem algures entre a queda abrupta e evidente de um sebastianismo exacerbado e a desorientação ideológica provocada por uma insistência teimosa em dogmas ultrapassados.
Neste debate tenho manifestado, em sede própria, a minha opinião com lealdade – ao mesmo tempo afirmando com transparência as minhas reservas fundamentadas. Porém, os desenvolvimentos mais recentes obrigam-me a partilhá-la publicamente. Faço-o por imperativo de consciência e com uma convicção forte sobre qual é, neste momento particular no tempo, o melhor caminho para atingirmos o objectivo crítico de mudar a caótica gestão do PS em Lisboa.
Acima de tudo faço-o porque existem muitos militantes e simpatizantes que não vivem obcecados com o “bicho papão” que seria o apoio a um candidato à Câmara de Lisboa que não tenha as três setas sociais-democratas cravadas nas costelas. E porque estas vozes, por vários motivos, não têm conseguido ter junto da opinião pública o espaço que se justificaria.
Desde logo, é bom lembrar que a matriz social-democrata portuguesa não é um esquema de enclaves ou de trincheiras. Somos, historicamente e desde o início, um partido de grande abrangência política com uma tradição de convívio democrático com diversas tendências e sensibilidades.
Uma prova enfática disso mesmo é o facto de que em Lisboa o PSD já foi governo da cidade com três presidentes diferentes: um militante do CDS (Nuno Krus Abecassis), um militante do PSD (Pedro Santana Lopes) e um independente (António Carmona Rodrigues).
Por ser a ordem natural das coisas, com vista às eleições autárquicas de 2017, a primeira reflexão séria do PSD em Lisboa foi a de dialogar com um militante seu. Com efeito, se o partido tem disponível um quadro político com a experiência e o sucesso autárquico de Pedro Santana Lopes, não querer saber da sua disponibilidade seria uma irresponsabilidade política. Foi isso que foi feito. Pedro Santana Lopes não demonstrou disponibilidade.
Cumpriu-se assim o plano estratégico dos que entendem que deveríamos dar prioridade aos sociais-democratas dos sete costados. O convite a um militante, ao militante mais qualificado para o lugar, foi feito. Esse militante, por razões que devemos respeitar, recusou.
Encerrado este capítulo, que era muito obviamente a pedra principal da estratégia de avançar para Lisboa com a figura incontornável de um militante, mudou-se depois de agulha, para contestar a ideia de que o PSD deveria apoiar um candidato de outro partido, como se isso representasse um atentado à própria essência do Partido Social Democrata.
Mas rapidamente ficou demonstrado o contrário: em Lisboa, o PSD já tinha apoiado um candidato de outro partido, Krus Abecassis, do CDS. Uma estratégia que foi aliás vitoriosa e teve uma importância decisiva para a vida da cidade.
A seguir argumentou-se que o exemplo desse apoio apenas demonstrava que o PSD era, à data, um partido com menos expressão que o CDS em Lisboa. O que é falso. Nas legislativas de 1985, no mesmo ano em que fomos pela última vez a eleições com Abecassis, o PSD teve o triplo da votação do CDS. Isto é, o PSD apoiou Abecassis quando o CDS representava apenas 8,1 por cento dos votos em Lisboa. Em 1991, o PSD apoiou Mário Soares para a Presidência da República quando representava o dobro dos votos do PS nesse mesmo ano nas legislativas. Estes factos ajudam a desfazer esse mito.
Assim sendo, só resta o seguinte argumento: temos de apoiar um candidato do PSD, porque – enfim, porque sim e pronto. Ora, eu não me revejo nesta forma de pensar o serviço público.
Defender uma solução que os lisboetas não desejam – isto sim, é que é menorizar o PSD. É exactamente na posição oposta que encontramos a característica mais profunda do PSD: na capacidade de ouvir a comunidade que pretende servir em vez de tentar impor uma solução em que a comunidade não mostra ter interesse.
Deixei aqui provado que em matéria autárquica o PSD não vive, nunca viveu nem pode viver, de dogmas partidários ou fundamentalismos ideológicos. A prioridade do PSD é a defesa de projectos centrados na qualidade de vida das comunidades que serve. É por isso que assumimos sempre a missão de encontrar as melhores soluções governativas para pôr em prática o fundamental — a melhoria da vida das comunidades — ao invés de ficarmos reféns de condicionalismos impostos por “proto-virtudes” de índole militante.
Como dizia Francisco Sá Carneiro: “Primeiro, Portugal; depois, o partido; por fim, a circunstância pessoal de cada um de nós”.
Estou certo de que isto se aplica directamente na situação que temos em Lisboa: “Primeiro, Lisboa e os lisboetas; depois, o partido; por fim, a circunstância pessoal de cada um de nós”.
Tenho absoluta confiança em que a maioria dos militantes do PSD partilha da visão de Sá Carneiro e que para eles, mais importante que os seus umbigos, dogmas ou lugares futuros é a cidade de Lisboa, são os lisboetas que queremos servir.
Acredito que, em política como em tantas coisas da nossa vida, a agilidade pode ser em si mesma uma estratégia e que os grandes obstáculos ao nosso futuro são, muitas vezes, os planos que fizemos antes para lá chegar, que nem sempre resistem ao choque da realidade, que é dinâmica por natureza.
Na minha opinião, parece-me claro que o objectivo número um é dotar a cidade de Lisboa de um governo melhor e que o caminho mais provável e eficaz para atingir esse objectivo é unir forças com quem tem estado connosco nas batalhas mais recentes, no governo do país como nas últimas eleições autárquicas.
Luís Newton é conselheiro nacional do PSD, membro da Comissão Política Concelhia do PSD/Lisboa e Presidente da Junta de Freguesia da Estrela