“O fogo no coração atira o fumo para a cabeça”
(Provérbio popular português)

Temos corações em chamas e a culpa não é das Alterações Climáticas.

A ciência descobriu as alterações climáticas e o apelo à ação era inevitável: rapidamente o tema passou a ser político. Vale a pena lembrar que é aí, no campo político, que a discussão se deve centrar: citando a página “saber ciência” do Instituto Superior Técnico devemos estar conscientes que “a ciência tem limites: (…) não pode [dizer se] é certo ou errado, bom ou mau (…) não nos diz como usar o conhecimento científico (…) nós é que temos que decidir como usar.” Pelo que agir não é ciência é política e é esta que tem que escolher o que fazer a respeito.

Exemplos do que são as escolhas da ação climática não faltam: Subsidiar energias renováveis? Ou deixar o mercado funcionar? Ou apoiar os mais pobres? Acabar com o gás? Ou atender à pobreza, incluindo a energética? Subsidiar carros elétricos? Ou deixar o mercado funcionar esperando que os preços desçam? Taxar soluções verdes por serem estrangeiras? Apoiar mineração? Ou escolher apoiar ecossistemas naturais/culturais? Cobrar taxas de reciclagem? Ou pagar pela correta gestão, separação e deposição do lixo? Taxar a carne ou apoiar produtores? Passes grátis para jovens e velhos? Ou para quem precisa? Cobrar impostos progressivamente sobre o consumo? Ou respeitar escolhas, algumas das quais implicam maiores consumos (se eu compro um carro elétrico vou consumir mais eletricidade pagando mais quando troco mais consumo de eletricidade pelo anterior consumo em gasolina)? Etc., etc… Alguém acha que isto é ciência?

Não é ciência, como proibir compras nos supermercados após as 13h, multar quem come sandes no carro, impor passaportes sanitários, fechar parques infantis, obrigar a máscaras ainda que de lã ou papel, vendas ao postigo, proibir circulação entre concelhos, etc., também não era ciência no tempo da pandemia. Voltando ao início, a ciência produz conhecimento – o planeta está a aquecer ou há um novo coronavírus em circulação – mas não nos diz se isso é bom ou mau nem como atuar – isso é política.

O público tem dificuldades em entender esta separação – o governo na pandemia seguia a ciência, achavam ingenuamente, e quem discordasse da medida A ou B só podia ser negacionista. Os políticos também – se eram contra eram negacionistas do vírus. Com as Alterações Climáticas passa-se o mesmo: Inês Sousa Real chamou – num debate televisivo – Rui Rocha de negacionista. Porquê Inês? Porque se não concordasse com a obrigatoriedade de vacinar crianças estava a negar a existência de um vírus? Neste caso, porque se acha que o mercado livre é melhor a resolver os problemas que as Alterações Climáticas trarão então está a negar que elas existem, já que só um caminho político é possível?

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Ora em política o debate, a divergência e os caminhos alternativos são salutares. É bom discutir os prós e contras de questões como as colocadas acima e permitir que cidadãos informados escolham entre diferentes caminhos possíveis – há aqui o montante X deve ser gasto em eficiência energética ou a subsidiar carros elétricos? E na rubrica Y há mais o montante Z, deve ser usado para financiar eólicas ou para retirar construções de leitos de cheia? Etc…

Aqui entra a Comunicação Social e a sua importância para promover o debate político e informar cidadãos para que estes possam escolher livre e esclarecidamente. Todavia, e tal como no caso da pandemia, não vemos nada disso, pelo contrário, vemos a polarização, a desinformação e o ativismo em ação. Resultado? Uma sociedade dividida entre o alarmismo e seguidismo de um lado da barricada muito assustado com as tretas que fazem capas de jornal e do outro o negacionismo e conspiracionismo de quem vê tal patetice nas notícias da praça que recusa tudo o que se relacione com a temática.

Exemplos? Nos últimos dias:

Calor intenso derrete ponteiros de relógio de torre em cidade inglesa” Notícias ao Minuto, 10/07/2024,

Espanha e Grécia com temperaturas de 45ºC, Suíça com Chuva e Trovoada” SIC, 10/07/2024,

As estações já não são o que eram há uns anos. Verão parece tardar em chegar, mas especialistas explicam que não é atípico” Observador, 08/07/2024,

Junho foi o 13º mês consecutivo mais quente de que há registo” Observador 08/07/2024.

(os órgãos de comunicação social são irrelevantes porque todos se copiam uns aos outros para dar as mesmas palermices, perdão notícias)

De um lado o coração dos assustados tem a desejada confirmação: está tudo a derreter, está tudo trocado com frio no verão, com países a assar e outros com chuva, os recordes não param… Enfim, o mundo está mesmo a chegar ao fim. Confusão e exagero anticientífico para deixar o público ansioso e histérico, a exigir mais ação. É esse o papel desejado pelo jornalismo travestido de ativismo.

Do outro lado também o coração, sob a forma de desprezo e paródia. Por exemplo a primeira notícia nas redes sociais tem 308 reações, das quais 154 são risos. Já na última, são 626 pessoas a rir entre 743 reações. E, de facto, perante a qualidade das peças, rir é o melhor remédio. O outro lado da moeda, no caso deste alarmismo e confusionismo é que a maioria não acredita, e tão pouco faz um esforço para entender as questões para lá da deturpação jornalística.

Sabem a que temperaturas derretem metais? Centenas, por vezes milhares de graus; Sabem que temperatura esteve na tal cidade inglesa (Keynshan)? Uns escaldantes 19ºC… Coitados dos relógios no Alentejo… Sabem que o aquecimento não é sincrónico? Que devido à complexidade da atmosfera se nuns lados está sol noutros chove e está frio? Sabem que meteorologia é uma coisa e clima outra? Que a temperatura global diz pouco sobre um local, tal como a temperatura da casa de banho não é sinónimo da temperatura da casa? Sabem que Junho passado – boletim do IPMA – foi um mês que acertou na média (longe dos mais quentes ou mais frios, dos mais secos ou mais húmidos)? Ou que 2023 ou 2022 foram semelhantes (consultável no mesmo boletim do IPMA)?

A maioria das pessoas não sabe nem quer saber. E o jornalismo? Ou também não sabe ou, pior, também não quer saber. Rigor na informação, verificação de factos, contextualização ou promoção do debate público… É pedir muito apelar à cabeça e não ao coração? Não vende? Talvez não. Certo é que para o interesse público da missão jornalística é um mau serviço.