Os “quadros” dos partidos políticos não são independentes.
La Palisse

Acompanhando uma tendência – que se generalizou na Europa desde há cerca de 20 anos, importada do Estado regulador norte-americano –, a legislação portuguesa tem vindo a promover a instituição de entidades administrativas independentes. A marca de água deste tipo de entidades consiste na sua independência em face do Governo: ao invés do que é regra na Administração do Estado, em razão da sua condição, as entidades independentes não são dirigidas, nem supervisionadas, nem tão-pouco fiscalizadas pelo Governo. À categoria das entidades administrativas independentes pertencem, por força da lei, algumas das mais relevantes entidades reguladoras da economia, por exemplo, nos setores dos transportes das comunicações, das energias, das águas e resíduos, dos mercados de valores mobiliários ou dos seguros. O que distingue todos estes organismos é a garantia legal (por vezes constitucional ou europeia) da independência no exercício das suas missões em relação ao Governo. Ao contrário do que por vezes se diz, não há nada de novo em tais entidades deverem ser “independentes em face dos regulados”, pois que este há-de ser um atributo incontornável de qualquer organismo do Estado com funções de regulação; de resto, admitir outra coisa equivaleria a aceitar a captura de instituições do Estado pelos regulados.

Apesar da pretensão de desgovernamentalização, os dirigentes das entidades reguladoras independentes são designados pelo Governo (após parecer fundamentado de comissão da Assembleia da República e parecer da CRESAP sobre a adequação do perfil do candidato às funções a desempenhar). Não é certamente brilhante esta solução, de entregar ao Governo o poder de designar dirigentes de entidades que são independentes em face do Governo; mas foi este o sistema que a lei definiu desde o início. E, apesar de revelar uma incongruência intrínseca, o sistema governamental de designação pode, ainda assim, não defraudar o estatuto legal de independência: assim sucederá se ao desfasamento temporal entre os mandatos do Governo e os dos dirigentes designados, à proibição de renovação de mandato e à proibição de revogação livre do mandato desses dirigentes juntarmos o esperado cuidado particular de um Governo responsável e escrupuloso, que haverá de se esforçar por designar pessoas competentes e que, além disso, ofereçam as suficientes garantias pessoais de independência. Exige-se que assim seja, pois a independência política (em relação ao Governo) de uma entidade começa e acaba nas pessoas que a dirigem. Pois bem, a este respeito, não pode deixar de causar uma enorme perplexidade a bizarra ideia de entregar a responsabilidade de direção de uma entidade reguladora a um “quadro” de um partido político, a uma pessoa que, apenas por força da condição de estar inscrita num partido, vai acumulando os mais variegados cargos de designação política, e que, tudo indica, passará, agora, a incluir nesse rol o de presidente de uma entidade reguladora “independente”. A clara reprovação de um procedimento como este não significa advogar que cargos desses só podem ser exercidos por quem não tenha simpatia ou inscrição partidária. Do que se trata pois, não é de pugnar por esse purismo apartidário básico, mas antes de não deixar passar em branco o caminho em curso de captura de instâncias independentes pelo Governo, através de homens e mulheres saídos diretamente das entranhas do partido que o suporta. É que é precisamente isto que se pretende ao designar alguém da confiança política direta para dirigir uma entidade reguladora, fazendo-a migrar para um tal pouso vinda diretamente da Assembleia da República: de alguém, pois, que, por ser de um partido, pode ser “designada” para as listas de deputados desse partido (como aliás tem sido nas últimas legislaturas), para secretária de Estado (como já foi), para ministra (como já foi), para encabeçar uma lista do partido num qualquer município (como, se calhar, também foi) e agora, por fim, também para Presidente de uma entidade reguladora “independente”. Não pode valer tudo!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR