Tenho lido inúmeros artigos sobre as razões da vitória de Donald Trump, tanto no jornal Observador como noutros jornais portugueses e estrangeiros. Devo confessar que discordo da maioria das análises. A maioria das explicações apresentadas é excessivamente simplista, repletas de clichés e, lamentavelmente, condescendente para com o eleitorado de Trump. Poderia facilmente escrever um texto semelhante, apenas mais um entre os inúmeros que criticam a eleição de Trump. A maior parte dos artigos repete essencialmente as mesmas ideias: que Donald Trump venceu por ter utilizado a rede social X para disseminar fake news; que o seu eleitorado se mobilizou mais devido à crença nestas fake news; que esta crença se deve ao fracasso dos jornalistas em informar devidamente; e, claro, que os brancos — tanto os homens como, pela primeira vez, também as mulheres — votaram em Trump por serem “sistemicamente racistas”. Quem melhor sintetizou a questão foi Duarte Branquinho, colunista do jornal Sol, ao afirmar que os comentadores e analistas portugueses que, há umas semanas, proclamavam em voz alta que Kamala Harris já tinha vencido — e que nem valeria a pena o candidato republicano tentar — eram agora os mesmos que procuravam justificar a vitória de Donald Trump.
Resumindo, a maioria dos colunistas tenta convencer-nos de que, na verdade, os eleitores de Trump são ignorantes e, pior ainda, incapazes de ler um artigo de jeito (tradução: um artigo de esquerda). Caso contrário, teriam lido os artigos que criticavam Donald Trump e, evidentemente, votado em Kamala Harris. Aliás, se os eleitores de Trump fossem pessoas minimamente inteligentes — e não uma cambada de rednecks semi-analfabetos e tolos — já teriam aprendido português, lido os artigos dos jornais portugueses mais à esquerda e, sem dúvida, concluído que votar na direita americana é pior do que vender a alma ao Diabo. Naturalmente, estes s, descendentes dos soldados confederados do general Lee, que fazem churrascos com carne verdadeira e não “tofu vegano”, que bebem cerveja com glúten e conduzem carros a diesel – se fossem pessoas decentes seguiriam o exemplo da Greta Thunberg, e andariam de bicicleta, o que talvez não seja prático para transportar troncos de árvores ou tubos de aço, mas, ao menos, é “ecologicamente sustentável” – como seria de esperar, estes indivíduos não leram, nem ouviram, os nossos grandes intelectuais. Caso contrário, teriam certamente votado em Kamala Harris: “Hey, this girl from Left Block, what’s her name? Oh yes, Marian DeathWater… she says Trump is a fascist, so I will not vote for him”.
Deixemo-nos de rodeios. Vou dizer uma grande, enorme, gigantesca, verdadeiramente lapalissiana afirmação: a razão pela qual Donald Trump venceu foi, simplesmente, porque a esquerda perdeu. Esperem, não desistam já – continuem a ler. Deixem-me explicar o meu raciocínio. O que quero dizer é o seguinte: a derrota da esquerda americana é muito mais profunda do que parece. Não se trata apenas de uma derrota eleitoral. A esquerda americana perdeu a confiança da classe média e das classes mais baixas. Por outras palavras, Christopher Lasch tinha razão: as elites ocidentais – não apenas as de esquerda, mas também as de centro-direita – abandonaram os povos que deveriam representar e defender. Separaram-se das suas bases. Em casos extremos, como no Reino Unido, chegam mesmo a virar-se contra as populações nativas. Eis o sentido da minha frase: a esquerda americana não perdeu apenas na contagem de votos. Perdeu algo muito mais crucial — a confiança que o “Zé-povinho” americano depositava nas elites democratas. E isto saiu-lhes caro.
O que acabei de escrever é, na verdade, fácil de compreender. No entanto, fico verdadeiramente estupefacto ao ler explicações de certos colunistas que parecem completamente desconectados da realidade. Para algumas destas pessoas, bastaria que os jornalistas informassem devidamente os eleitores americanos (ou europeus) para que estes nunca votassem em candidatos de direita mais “dura”. Pergunto-me: têm os colunistas que defendem este tipo de ideias noção de quão condescendentes estão a ser? Percebem o quão arrogantes são para com os eleitores de direita? Conseguem aperceber-se de como é insultuoso afirmar que aqueles que votam em Trump — ou, na Europa, no RN, na AfD, no Chega ou no VOX — só o fazem porque são ignorantes, tristes, racistas ou movidos pelo ódio? Sabem que mais, caros articulistas, comentadores e intelectuais mainstream? Este tipo de discurso apenas conseguirá uma coisa: levar ainda mais pessoas a votar na “direita da direita”.
Se Donald Trump venceu, foi porque soube abordar os temas que realmente preocupam o povo americano: as questões económicas, de segurança, espirituais, identitárias e até teleológicas (e não teológicas). Donald Trump conseguiu captar a atenção de centenas de milhões de americanos ao tratar de questões que a esquerda americana abandonou. Falou-lhes da importância da família, o pilar da nossa Civilização Ocidental. Falou-lhes do poder de compra e de como é difícil para um pai e uma mãe perceberem que não conseguem proporcionar o mínimo essencial — comida, segurança, educação e lazer — aos seus filhos. Falou-lhes da necessidade de re-industrializar os EUA, de forma a criar uma economia mais robusta e, consequentemente, aumentar o poder de compra. Falou-lhes da imigração, pois ninguém em sã consciência gosta de ver a sua cultura substituída por outras culturas estrangeiras, independentemente do respeito que possamos ter por elas. Falou-lhes de segurança, porque qualquer pessoa, a menos que seja cega ou desonesta, percebe que, de Seattle a Praga, as cidades do Ocidente se tornaram mais violentas, e que, neste preciso momento, uma parte da esquerda deseja silenciar e desarmar a polícia. Falou-lhes da necessidade de os EUA e outros países ocidentais se protegerem contra a espionagem industrial chinesa, e de como devemos investir nas tecnologias do futuro — inteligência artificial, robótica, supercondutores, computação quântica e fusão nuclear. Falou-lhes de grandes sonhos, da exploração da Lua e da conquista de Marte, de como o mito da “fronteira” pode renascer com a conquista espacial. Falou-lhes de religião e da importância do Cristianismo na sociedade americana. E, por fim, falou-lhes da “pátria”, esta palavra que provoca urticária em certos sectores da esquerda. Sim, senhores e senhoras de “esquerda”, a “pátria” — esse conceito que os pensadores de esquerda, em França, criaram para lutar contra o “Dieu et le Roi” (Deus e o Rei) da primeira direita e extrema-direita contra-revolucionária. Esse conceito, que na verdade é muito mais do que uma ideia: a “pátria” existe, milhões morreram por ela e milhões continuam a vibrar por ela.
Por mais extravagante e, em certas ocasiões, mal-educado que possa ser, Donald Trump fez algo que há muito a esquerda não consegue fazer: fez com que o eleitorado sonhasse. Muitos até votaram nele sem gostar da sua personalidade ou das suas infelizes declarações, para não mencionar as bacoradas que chegou a dizer, ou as mentiras que proferiu tal como Kamala Harris aliás. Votaram nele sem apreciar o seu exibicionismo constante, nem as suas amizades, por vezes, muito questionáveis. Mas votaram nele simplesmente porque ele soube apresentar um plano: Make America Great Again. Um plano que pode acabar por falhar redondamente. Mas sejamos sinceros por um momento: quando alguém diz que vai trazer de volta as fábricas para o país (caso contrário, as empresas terão de pagar impostos exorbitantes); quando alguém promete combater a criminalidade com força e determinação, e não com “estágios de cidadania”; quando alguém afirma que vai proteger a cultura do país e expulsar os estrangeiros que a ofendem; quando alguém assegura que vai tornar a pátria (a dos americanos) uma nação forte e respeitada novamente… é natural que “esse alguém” vença.
Pelo contrário, é natural que a esquerda perca quando começa a ceder aos delírios woke. Pois a maioria das pessoas não acha normal que crianças com 9 ou 10 anos possam mudar de sexo. É natural que a esquerda perca quando defende a ideia de que milhões de estrangeiros, muitos provenientes de culturas e civilizações extremamente diferentes das nossas, algumas hostis aos nossos valores milenares, possam imigrar, instalar-se permanentemente e, pior ainda, criar guetos onde impõem a sua cultura aos nativos, que não têm outra opção senão fugir ou adaptar-se a culturas estrangeiras. É natural que a esquerda perca quando não apresenta planos económicos credíveis, a não ser a proposta de taxar os mais ricos em 60 ou 70% dos seus rendimentos, sem mencionar o peso esmagador dos impostos sobre a classe média, com o objectivo de criar não um “Estado social”, mas um “Estado mãe-galinha”, que permite a certas pessoas viver de ajudas sociais sem trabalhar. É natural que a esquerda perca quando os seus líderes passam a vida a chamar racistas aos ocidentais nativos, a afirmar que as nossas sociedades são sistemicamente racistas, ou a considerar que a História da Civilização Ocidental seria apenas uma sucessão de crimes contra a Humanidade, onde os nossos antecessores eram todos uma cambada de genocidas piores do que os piores soldados da Waffen-SS Totenkopf. É natural que a esquerda perca quando provoca divisão na sociedade, separando-a entre ricos e pobres, brancos e não-brancos, entre os “bonzinhos fofinhos” a quem tudo se perdoa e os “maus” (neste caso, o branco heterossexual cristão de classe média ou alta). Por fim, é natural que a esquerda (neste caso, a esquerda americana) tenha perdido quando os seus líderes, Hillary Clinton e Joe Biden, entre outros, apelidaram uma parte dos americanos de “deploráveis” e/ou “patifes”.
Donald Trump venceu porque não insultou o “Zé-povinho”; antes, disse-lhe que, a partir de agora, teria a oportunidade de conseguir um emprego bem remunerado, de proteger a sua família e de ter novamente orgulho no seu país. Além disso, apresentou uma teleologia – os EUA são uma nação com uma missão divina, e devem cumprir essa missão com sucesso – algo extremamente raro nos dias de hoje. É possível que Trump venha a falhar. Só Deus sabe o que o futuro nos reserva. Mas uma coisa é certa: enquanto a esquerda continuar a insultar uma parte dos ocidentais, é provável que sofra mais derrotas. E não só a esquerda, mas também o centro-direita. No meu texto sobre J.D. Vance e as novas direitas americanas, demonstrei que as tais “novas” direitas olham para o futuro com optimismo e, mais uma vez, algo raro neste mundo ocidental do século XXI, pretendem abraçar de novo o conceito de “poder” e de “força”. Foi isto que os conselheiros de Trump criaram na campanha: optimismo, poder, inovação. Uns falam em conquistar as Estrelas, outros em construir casas de banho sem género. Depois, admiram-se que os primeiros vençam eleições. A esquerda americana é a única responsável pela sua derrota, tal como uma parte das esquerdas europeias. As direitas ocidentais começaram lentamente a levantar a cabeça. Resta apenas saber se as direitas portuguesas vão começar a apostar mais na meta-política – tal como a direita americana apostou – com vista a ganhar a “batalha cultural”.
Para concluir este texto, pergunto-me se, na verdade, a vitória de Donald Trump não será um fenómeno mais profundo. Não será a sua vitória um sinal dos tempos? Não será o “declínio do Ocidente” a causa do aparecimento de líderes mais “cesaristas” um pouco por todo o Ocidente? Neste caso, mais uma vez, quererá isto dizer que o pensador alemão da chamada Konservative Revolution (Revolução Conservadora), Oswald Spengler, acertou e previu o futuro do Ocidente? E se Spengler tiver razão, isto significaria que entrámos na fase final da queda do Ocidente? Não sei responder a esta questão. Seria (e será certamente) tema para outro texto. Enquanto isto, veremos o que Donald Trump fará neste segundo mandato. O mundo raramente esteve tão perigoso; esperemos que ele saiba apaziguar a situação.