À primeira vista, o título parece carecer de lógica, não só por mencionar dois políticos pertencentes a realidades geográficas e ideológicas muito diferentes, mas também por referir duas áreas do conhecimento muito díspares. A argumentação tentará mostrar a lógica que subjaz à escolha do título.
Assim, a Física prova que os polos de sinal oposto se atraem enquanto os polos do mesmo sinal se repelem. Uma lei que a Política tenta não subscrever. Por isso, quando os regimes democráticos se veem obrigados a negociar com regimes totalitários e autoritários essa ação não resulta da atração, mas sim da necessidade.
De facto, num mundo globalizado em que as democracias – completas e incompletas – vigoram apenas em 72 dos 167 países estudados pelo Índice de Democracia 2022 do The Economist, não admira que esses Estados se vejam obrigados a relacionar-se com os 36 países de regime híbrido, os 21 autoritários e os 38 totalitários. Um relacionamento que, embora não decorrendo apenas do elemento económico, tem nessa dimensão a razão principal.
No entanto, no que concerne aos fundamentos que devem subjazer à práxis, os políticos dos países de regimes democráticos fazem questão de deixar claro que não se reveem nos princípios dos líderes dos Estados não-democráticos. Por isso, defendem o primado da lei, a separação de poderes e todas as outras caraterísticas inerentes a um Estado de Direito e a uma democracia representativa onde o voto livre e universal traduz a vontade dos eleitores e, mesmo sem ser imperativo, obriga os eleitos a um comportamento ancorado no respeito pelas instituições e pelo sentido de voto, embora a legitimidade de voto nem sempre encontre tradução na legitimidade de exercício.
Entrando no elemento comparativo de Vladimir Putin e de António Costa, reconheça-se que o acesso ao cargo de primeiro-ministro foi completamente diferente. Na verdade, enquanto António Costa representou a escolha maioritária dos portugueses em 2021, Putin chegou ao Poder pela mão de Boris Ieltsin e por indicação da corte ou da «família» que o rodeava, designadamente Boris Berezovski, o seu descobridor. Alguém que precisou de arte para dourar o currículo de um mero agente executor de trabalhos pouco abonatórios.
Porém, uma vez instalado no Poder – alternando os cargos de primeiro-ministro e de Presidente – Putin apenas mostrou gratidão por Ieltsin e perseguiu – um eufemismo – Berezovski e outros oligarcas, como Mikhail Khodorkovski. Uma estratégia complementada pela perseguição aos governadores regionais e que lhe permitiu tornar-se no novo czar e exigiu a chamada para o Governo de elementos da sua confiança pessoal. É neste ponto que começa a fazer sentido a comparação presente no título porque, no caso português, a amizade e a confiança pessoal foram os critérios que presidiram à escolha dos nomes que António Costa chamou para junto de si.
Porém, a semelhança não se fica por aqui. Na realidade, tal como Putin, também António Costa se revela muito relutante em proceder a alterações no elenco governamental. Algo que, voltando à questão da primeira vista, poderia não corresponder à realidade porque num Governo com menos de ano e meio de existência já se verificaram 13 saídas. Só que a larga maioria dessas demissões foi feita conta-vontade, tanto do exonerado como do líder do executivo. Dito de uma forma mais clara: António Costa convive mal com a mudança porque poria em causa o critério que presidiu às suas escolhas.
Face ao exposto, não é apenas nos regimes não-democráticos que a obstinação e a persistência no erro constituem marcas da práxis governativa. Uma forma de dizer que, ao contrário da Física, as leis da Política sabem adaptar-se às conjunturas e às realidades. Uma adaptação tão completa que até permite a líderes democratas reproduzirem comportamentos habituais nas lideranças autoritárias e totalitárias.