António Costa é um mestre no xadrez político, capaz de retirar seguros da frente, transformar derrotas em geringonças, escolher o momento oportuno para largar os companheiros “indesejáveis” de viagem e conquistar uma maioria absoluta quando ninguém o espera. Será ele capaz de resistir a uma crise internacional, o maior trauma dos socialistas nacionais, e sair da posição de Rei Afogado em que se encontra?

A crise internacional, um eufemismo que o PS costuma utilizar para os momentos em que se descobre que andou a governar desnudado, já é mais que uma perspetiva, transformou-se numa realidade palpável a partir do momento em quem, no início do Verão, o petróleo se encontra a rondar os 120 dólares. E o cenário não tende a melhorar! Estará o mundo preparado para uma escalada de preços até aos 150 ou 200 dólares por barril? Pode parecer um cenário meramente académico, mas com uma guerra iniciada por um dos maiores produtores mundiais e o aumento de procura para fazer face ao inverno, será assim tão irreal chegarmos lá no fim de 2022?

E como reagirão os setores menos reformistas da nossa sociedade a este cenário de inflação alta e prolongada? Os segmentos populacionais que deram a maioria absoluta ao partido socialista e, tal como demonstram os estudos pós eleitorais, são os menos reformistas e mais dependentes da ajuda estatal? Pensionistas que, naturalmente pela idade, estão menos possibilitados de arranjarem outras fontes de rendimento e pessoas com baixas qualificações, que, por conseguinte, apresentam rendimentos mais baixos, são os mais prejudicados pela inflação e simultaneamente os que mais votaram no PS.

E não é uma questão só de petróleo, os efeitos na alimentação e outros produtos serão também relevantes, existindo outro efeito que prejudicará fortemente os portugueses, com especial enfoque nos mais desfavorecidos. Olhemos para o estado dos nossos serviços públicos, com especial enfoque na Saúde. As últimas semanas demonstram o limiar de rutura em que o SNS se encontra e que a pandemia foi simultaneamente escondendo e agravando, com urgências congestionadas e algumas na área da obstetrícia obrigadas a fechar em alguns períodos, o que acrescenta ainda mais um incentivo negativo à natalidade. Ora, o SNS é cada vez mais direcionado para os segmentos menos favorecidos, que terão de suportar simultaneamente cortes na capacidade de consumir por via da inflação e cuidados de saúde de pior qualidade por via do desinvestimento estatal.

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E qual a resposta dos antigos parceiros de esquerda a esta realidade? Aquela que já vamos vendo no terreno: contestação social, greves e plenários. Em particular no setor dos transportes estas “ações de luta” mostram-se profundamente irresponsáveis, atingindo fortemente os setores mais desfavorecidos das áreas metropolitanas, e potenciam os efeitos do maior custo de utilização do carro e inconstância dos transportes coletivos. Talvez agora se comece a perceber quão perniciosos e territorialmente injustos os transportes gratuitos ou passes baratos podem ser, representando uma forma de prestar maus serviços se não tivermos um estado capaz de financiar a diferença face ao seu custo real.

Os tempos para António Costa não serão nada fáceis, razão pela qual não são de estranhar as suas cada vez mais frequentes viagens pela Europa em perseguição do sonho europeu. A bênção da maioria absoluta parece cada vez mais uma maldição e o Orçamento de 2023 coloca o nosso primeiro-ministro na posição que no xadrez se designa “Rei Afogado”, que implica o fim do jogo sem vencedor, visto que o jogador em dificuldades fica impossibilitado de movimentar qualquer peça.

A atualização de salários e pensões ao nível da inflação será a grande discussão do Orçamento 2023 e, embora parecendo que estamos em boas condições para fazer essa atualização, até pelo previsível bom desempenho das contas públicas em 2022 e quiçá até um novo superavit orçamental fruto de um forte incremento das receitas fiscais não acompanhado de igual subida na despesa pública. No entanto, com a subida nas taxas de juro da dívida pública à escala global e o crash nos mercados bolsistas (a que assisto no momento em que escrevo) que geralmente antecipam o movimento da economia, António Costa está colocado na posição de ter que subir a despesa pública, pensões, prestações sociais e investimento público no preciso momento em que o acesso à dívida fica demasiado caro.

Quando assistimos a uma fuga de profissionais de saúde para o privado e para o exterior e quando a inflação ataca a capacidade dos mais desfavorecidos e pensionistas de suprirem as suas necessidades básicas, o governo maioritário do PS vê-se desprovido da única solução que conhece e os seus eleitores sufragaram – a dívida barata. Uma nova “crise internacional” ameaça o modo de vida nacional e os movimentos do governo estarão cada vez mais restritos, pelo que estou profundamente curioso para ver como termina esta partida de Xadrez, será Costa capaz de ser melhor do que qualquer outro e evitar ver o seu “Rei Afogado”, ou será apenas um jogador normal que abandona o tabuleiro em busca do conveniente sonho europeu.