Entre viagens para tratar de assuntos europeus, as naturais férias e uma visita a Moçambique, os assuntos nacionais vão ficando para trás. O país anseia por uma mais eficaz mitigação dos efeitos da inflação e por segurança no acesso à saúde, mas António Costa está sem tempo para Portugal, sobrando-lhe pouco mais que as madrugadas para controlar o que vão fazendo os seus ministros.

A recente demissão sem substituição de Marta Temido, braço direito de Costa no período do combate pandémico, é um sinal da desmotivação crescente do nosso primeiro-ministro. Um período que foi caracterizado pela entrada diária destes protagonistas nas nossas vidas, sendo uma boa parte da população comandada pelas restrições, recomendações e proibições que esta dupla verbalizava e que contrasta com a atual apatia e indiferença perante os problemas.

Tudo indica que Marta Temido ficará como ministra da Saúde demissionária durante umas semanas, sendo encarregue de apresentar em conselho de ministros a reforma no sistema de gestão do SNS, condicionando fortemente o modelo que o seu sucessor irá implementar. E qual é a grande mudança que este plano pretende introduzir? A escolha de um CEO para o sistema, uma designação que ninguém desconfiava que Marta Temido conhecesse, tal é o desprezo que sempre demonstrou por tudo o que vem do setor privado.

Na reação matinal ao pedido de demissão, daquela que já foi a ministra mais popular do governo, António Costa chegou a afirmar que não tinha tempo para pensar em sucessor, pois estava concentrado em construir o pacote de medidas de mitigação da inflação. Medidas essas que certamente terão um paliativo para o último trimestre de 2022, com o grosso do pacote a ser encaminhado para o orçamento de 2023. Sucede que o governo português está já atrasado na resposta à inflação, preferindo encher os cofres do estado com despesa caída do céu.

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E qual será a melhor forma de prever a data em que a ministra será substituída? Marta Temido será o Jóquer do próximo mês. Percebendo bem que os escândalos se vão acumulando, desde incêndios, aviões, ajustes diretos e avenças “à lá Medina”, acrescidos do mais que previsível caos na colocação de professores no início do ano letivo, está encontrada a forma de apagar da agenda mediática qualquer argolada, lançando um novo gestor de insolvência do SNS. E claro está, nada como uma boa entrevista regada a lágrimas de Temido para entreter os portugueses na hora da despedida e empurrar um pouco mais com a barriga.

Os 2,3 milhões de votantes no PS nas últimas eleições só podem estar desiludidos. Confiaram na capacidade estoica de António Costa para resolver os problemas do dia-a-dia e depararam-se com um líder que mostra que já não quer governar. E estará já Marcelo Rebelo de Sousa em pânico? Após afirmar, na tomada de posse do governo, que Costa era o garante da estabilidade, valendo mais que o PS e estando a maioria absoluta profundamente ligada ao rosto do primeiro-ministro?

Alguém que vive intensamente o dia-a-dia mediático depara-se neste momento com um primeiro-ministro que não tem tempo para o país. Umas eleições marcadas pela necessidade urgente de um orçamento que agilizasse o PRR, em que os problemas internacionais e primeiros sinais de inflação foram atirados para debaixo do tapete, culminam agora num pedido à Europa para que alargue o prazo de execução dos fundos. Os fundos que supostamente eram urgentes para a retoma económica pós-pandemia passam a ser salvação da despesa corrente socialista e como a velocidade de Costa está em baixo é necessário esticar ao máximo o prazo de desmame desses fundos.

Como cereja no topo do bolo, a afirmação mais relevante de Costa foi “quem quer mudanças políticas tem de derrubar o governo”. Poucos dias antes de Álvaro Beleza apresentar o plano da SEDES para sairmos do marasmo em que Portugal se encontra, a ala mais centrista do PS já levou o aviso, se querem mudar alguma coisa comecem por me derrubar. Mas como se pode derrubar um primeiro-ministro com maioria absoluta tão recente? Costa transformou-se num prisioneiro do próprio sucesso. É evidente que já não tem motivação para a tarefa, mas foi demasiado eficaz a escolher o timing de queda do governo, ficando preso no próprio labirinto.

Contudo, será que aquilo que pareceu uma afirmação de força pode ser um pedido de ajuda? Será que poucos meses após uma surpreendente maioria absoluta e percebendo a dimensão dos problemas que tem pela frente, temos um primeiro-ministro a ansiar por uma forma airosa de abandonar o barco?