Dos relatórios do Clube de Roma, dos anos setenta, sobre os limites ao crescimento até aos últimos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas) das Nações Unidas sobre as alterações climáticas e o aquecimento global, um longo caminho já foi percorrido. Com efeito, a mudança do clima já é inequívoca para os cientistas. O primado da ecologia é, cada vez mais, uma evidência e uma emergência impossíveis de ignorar. Uma nova fronteira está, portanto, à nossa frente. Estamos, claramente, a mudar de paradigma nas dinâmicas de ocupação do espaço-território e a fazer, timidamente, as primeiras incursões na ecosocioeconomia e no ecodesenvolvimento, ao lado do capitalismo verde que faz o seu próprio caminho.

Já sabemos que a economia convencional do sistema capitalista é uma economia essencialmente mercantil e financeira, o reino das mercadorias fundado na lógica implacável da concorrência e do lucro. Uma economia sem pátria e sem patriotas, para que não haja surpresas e equívocos, logo, um adversário de respeito, no caminho que queremos fazer até à ecosocioeconomia do desenvolvimento sustentável.

Esta economia convencional do sistema capitalista assenta em três conceitos operatórios fundamentais, a saber, concorrência, regulação e emergência, em quatro estratégias de sobrevivência, a saber, mitigar os danos, socializar os prejuízos, modernizar os processos, entrar na informalidade e, por fim, em três limites anunciados ao desenvolvimento sustentável, a saber, biofísicos, termodinâmicos e socioeconómicos. A economia convencional atingiu o seu apogeu com a economia digital e a desmaterialização de processos e procedimentos, mas este facto tecnológico notável não a libertou dos limites do modelo intensivo e produtivista em que foi concebida e configurada.

Neste contexto, o mundo agro rural é um terreno de eleição para a aplicação dos novos planos de contingência em matéria climática, os, agora, denominados pactos de energia e clima e/ou pactos ecológicos. Os solos, a água, os recursos vivos, a paisagem, têm de voltar a funcionar em ciclo fechado, a repor o capital natural de que necessitamos e a prestar os serviços de regulação climática que são indispensáveis. A reabilitação ecossistémica das zonas agro rurais, tendo em vista aumentar a sua capacidade de sequestrar o carbono é, neste contexto, uma tarefa prioritária. É aqui que nos encontramos. O aquecimento global, as alterações climáticas, os riscos naturais, a contingência sanitária, mas, também, o esmagamento dos termos de troca, deixam a agricultura familiar à beira de um ataque de nervos. De facto, esmagada entre preços decrescentes e custos crescentes, a agricultura familiar dificilmente poderá ocupar o território como até aqui, em saudável equilíbrio com a natureza. Doravante, é, sobretudo, a economia convencional, especializada e de grande escala, que tem de fazer a prova da sua própria sustentabilidade ecosocioeconómica. O ónus da prova passou, definitivamente, para a economia convencional do sistema capitalista.

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Os alertas sobre a insustentabilidade da economia convencional remontam ao ano de 1962 com a publicação do livro de Rachel Carson, A primavera silenciosa, relativo aos impactos agroquímicos sobre as cadeias tróficas. Nos anos setenta merecem uma referência os três relatórios do Clube de Roma que alertam para os limites ao crescimento com recursos finitos (Meadows), a necessidade de soluções concertados no plano mundial (Mesarovic) e uma ética global baseada na cooperação (Tinbergen). Uma referência, ainda, nos anos setenta para a Conferência de Estocolmo de 1972, Só há uma Terra, e para a criação do PNUMA, Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente, assim como, para a publicação do livro de E.Schumacher The small is beautiful. Nos anos oitenta merecem uma referência especial o relatório Global 2000 encomendado pelo presidente americano Carter (2000) e o relatório Brundtland (1987) sobre O nosso futuro comum. O primeiro conclui que o planeta está ameaçado pois o estilo de vida do Norte não pode ser adotado pelo Sul sob pena de esgotamento rápido dos recursos. O segundo estabelece o conceito oficial de desenvolvimento sustentável baseado, ainda, em proposições assentes sobre o crescimento económico. Nos anos noventa merecem destaque a Conferência do Rio (1992) sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Conferência da FAO sobre alimentação (1996) e a Conferência Rio+5 (1996). A conferência de 1992 é um marco fundamental sobre o desenvolvimento sustentável e nela se estabelecem quatro grandes documentos de orientação: a carta da terra, a agenda 21, a carta climática e o acordo sobre biodiversidade. Na conferência da FAO é estabelecida a meta simbólica de reduzir a fome de 50% até 2025. Na conferência Rio+5 é feito o alerta de que pouco ou nada mudou. Já neste século, são dignos de nota os relatórios do IPCC sobre o aquecimento global e as alterações climáticas, os Objetivos do DesenvolvimentoSustentável (ODS) e as sucessivas conferências do clima que confirmam os alertas anteriores sobre o incumprimento do mandato do Rio.

Numa perspetiva mais académica, as várias correntes de pensamento mostram não apenas a inquietude face aos problemas reais, mas, também, a amplitude e diversidade do movimento que está em curso: a bioeconomia (1) de Nicholas Georgescu-Roegen, a ecosocioeconomia (2) de William Kapp, o ecodesenvolvimento (3) de Ignacy Sachs, a economia ecológica ou ecoeconomia (4) de Herman Daly e a economia da terra (5) de Lester Brown. Algumas publicações tiveram um forte impacto nos meios académicos e ambientalistas, como, por exemplo, The economics of the common spaceship earth de Kenneth Boulding (1966), On economics as a life science de Herman Daly (1968), The entropy law and the economic process de Nicholas Georgescu-Roegen (1971), e Environment, power and society de Howard Odum (1971). No centro destas correntes de pensamento, com origens muito diversas, está a necessidade epistémica, metodológica e instrumental de analisar o sistema económico apoiado em conceitos e ferramentas biofísicas e ecológicas. Esta linha bioeconómica dos anos setenta, mais pessimista e radical, pois recomendava o decrescimento económico dos países mais ricos, foi inspirada nos trabalhos do economista Nicholas Georgescu-Roegen e veio a desembocar nos anos oitenta (1988) na criação da International Society for Ecological Economics (ISEE) e da revista Ecological Economics em 1989.

A economia ecológica não rejeita, porém, os conceitos e instrumentos da economia convencional e da ecologia convencional, utiliza-os frequentemente de forma articulada, o que faz com que esta nova disciplina seja ainda um campo muito heterogéneo dentro de seu propósito geral de integração transdisciplinar. Apesar da sua heterogeneidade e juventude, esta disciplina transdisciplinar ou pós-disciplinar já consolidou alguns pressupostos fundamentais:

  • Para compreender o sistema económico e as suas relações com o meio ambiente é fundamental perceber os fluxos e balanços de materiais e energia que trocam entre si, no quadro dos princípios e leis da termodinâmica: lei da conservação (1ª lei) e lei da entropia (2ª lei);
  • As relações entre o sistema económico e o sistema ecológico são baseadas nos princípios da estabilidade e da sustentabilidade, em particular, a capacidade do ambiente em oferecer recursos naturais para o funcionamento do sistema económico e em absorver os seus resíduos, isto é, determinando em que medida as restrições ambientais podem ou não constituir limites efetivos ao crescimento económico;
  • As relações entre o sistema económico e o sistema ecológico devem respeitar o princípio da equidade intergeracional, isto é, não podemos exportar os prejuízos desta geração e socializá-los à custa das próximas gerações; deste ponto de vista, a velha solução convencional e neoclássica de internalizar as externalidades negativas não é suficiente nem convincente.

Deve adiantar-se que a economia ecológica não partilha do pessimismo ecológico que vê os limites naturais como uma barreira quase intransponível ao crescimento económico, assim como não partilha do otimismo tecnológico que vê os limites naturais como um problema menor que seria sempre ultrapassado pelo progresso tecnológico. Os princípios e as leis gerais do sistema biofísico existem para ser cumpridos, mas é a escala concreta do ecossistema em causa e o estado dos seus recursos que determinarão em que medida as restrições ambientais são, efetivamente, um limite às atividades económicas.

É ainda curioso observar, nesta pequena digressão histórica pela segunda metade do século XX, que tudo começou por uma designada revolução verde. Mais interessante ainda é constatar que nestes últimos cinquenta anos os economistas e os ecologistas tudo fizeram para que os seus instrumentos de medida, a moeda e a energia, tudo pudessem medir em exclusivo.