O Papa João XXIII fica na história por ter convocado o Concilio Vaticano II, um Concílio que durou 4 sessões e terminou passados 4 anos, já sobre o pontificado de Paulo VI. Fica também na história por ter sido o primeiro Papa do século XX que, mais que uma vez, e com elevada discrição, saiu dos muros do Vaticano para ir visitar pessoas carenciadas e necessitadas. Com humor, os romanos deram-lhe o cognome de São João Extramuros, em referência à famosa basílica de São Paulo Extramuros

Mas, para quem não conhece a sua história e algumas das suas características, João XXIII era de um humor simples e de uma humildade ainda maior.

Com ele conseguimos tirar 7 lições e apurar uma grande virtude

1º Lição: Foco no futuro

A forma como “montou” o Concílio Vaticano II é um exemplo de resiliência e de foco.

Este Concílio mudou o paradigma dos mesmos. Os anteriores Concílios destinavam-se basicamente a condenar heresias e a definir verdades de fé e moral. João XXIII fez diferente, e talvez por isso tenha sido um Papa com olhos postos no futuro. O Concílio Vaticano II teve como objectivo a definição de um papel mais participativo da Igreja na sociedade, com atenção aos problemas sociais e económicos. Substituiu a severidade religiosa pela misericórdia fraterna, sem perder a fidelidade à tradição. O Papa queria que a Igreja alterasse a sua mentalidade, mas nunca a sua essência, para poder melhor enfrentar e acompanhar as transformações dos tempos.

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Esta é uma lição que todos os dirigentes políticos, partidários, empresariais e associativos deviam absorver. A preocupação em ter um objectivo bem definido, e depois traçar o seu plano, envolvendo toda a sua estrutura, tendo como consequência deixar o que encontrou, melhor do que estava quando lá chegou.

2º Lição: A noção das limitações humanas

Ficou muito famosa e até é replicada em muitos contextos a sua resposta quando alguém o questionou sobre quantas pessoas trabalhavam no Vaticano. Com a maior serenidade e de uma forma natural, respondeu: “mais ou menos metade”.

Todos sabemos, e temos a clara noção de que todos já estivemos numa dessas metades. É humano. No liceu ou na faculdade, os trabalhos de grupo provam isso. Numa orquestra, o tocador de ferrinhos até rivaliza com o violinista. Um guarda redes numa equipa de futebol toca muito menos na bola do que qualquer um dos centrocampistas. Mas o contributo de todos é o que os torna, espectaculares no caso da orquestra e vencedores no caso da equipa de futebol.

Até nas amizades sentimos isso. Temos amigos que servem claramente para nos ouvirem e outros para sermos os seus ouvidos. Como dizia Oswaldo Montenegro, um cancionista brasileiro, num dos seus maiores sucessos: “Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção”.

3º Lição: Somos sempre nós

Outra das suas histórias, contada pelo próprio João XXIII aos seus colaboradores mais directos sob forma de desabafo: com frequência acordo à noite e penso em alguns dos problemas que considero graves e então decido que tenho de os transmitir ao Papa, por vezes até acordo sobressaltado, mas depois lembro-me que o Papa sou eu!

Nós somos o princípio e o fim dos nossos problemas, mas também somos a solução de todos eles. Acreditar que existe alguém que nos pode sempre valer é o princípio que todos adquirimos de forma, muito natural, quando somos filhos, pois os pais são sempre (a) solução. Mas depois quando somos pais, acreditamos que nem sempre somos ou temos a solução para esses mesmos problemas. A solução está sempre em cada um de nós. Aí começamos a crescer.

4º Lição: Não vale a pena pensar nas limitações que nos impõem

Após a sua eleição como Santo Padre, João XXIII retirou-se para colocar as vestes papais. Deu-se então um incidente. Nenhuma das três batinas brancas lhe servia. Os elementos da Cúria ficaram embaraçados, e o João XXIII, com um sorriso de orelha a orelha entre dentes disse-lhes: “está claro que os alfaiates não me queriam como Papa”.

Esta lição é muito mais importante do que a sua história, pois ensina-nos que, mesmo involuntariamente, existem condicionalismos que surgem para nos fazer travar ou atrasar o destino. O caminho que nos apresentam ou at o caminho onde estamos, muitas vezes pode ser diferente do caminho que sentimos, e se faz sentir, fará sentido, e isso nenhuma veste ou condicionalismo consegue parar, pode atrasar, mas nunca parar. O destino do Pelé não parou por ele não ter umas chuteiras. O destino de Mozart não foi condicionado por ser surdo. O destino de Mandela foi o que foi mesmo estando preso. O Papa não deixou de ser Papa por não caber nas suas vestes.

5º Lição: Ouvir os outros é muito importante

Numa audiência com um Bispo italiano, esta estava a durar muito mais que o previsto, João XXIII foi alertado pelo seu secretário, que ainda havia uma longa lista de pessoas para audiências. De forma muito particular e bem-disposta, o Santo Padre comentou com o Bispo: “…às vezes não sei se o Papa sou eu ou se é ele”.

Curioso é que quando damos ouvidos aqueles que nos querem bem, por vezes a vida até nos corre melhor. Todos nos lembramos dos conselhos das nossas avós, sobretudo em relação aos desafios que a vida nos coloca. Esses conselhos vinham muitas vezes com histórias associadas a uma moral muitas vezes adaptada ao neto que tinham à frente.

Por vezes até ouvimos as sugestões daqueles que sabem mais do que nós. E a vida até nos corre bem.

Curioso é que os políticos não motivem os eleitores para estes se fazerem ouvir. É preocupante os elevados níveis de abstenção com que somos cada vez mais confrontados.

6º Lição: Humor e Elogios não custam

Rezam as crónicas em Roma, que certo dia, João XXIII saiu da Santa Sé sozinho para ir visitar discretamente um amigo padre que estava internado num hospital, hospital esse gerido pela Congregação do Espírito Santo.

Ao chegar ao hospital, surgiu-lhe pela frente a madre superiora que assim que o viu disse emocionadíssima: “Santo Padre, sou a Superiora do Espírito Santo”. O Papa respondeu-lhe de imediato: “Que grande carreira fez a senhora!”

Mesmo em situações mais tensas, ou cenários mais difíceis, um elogio é sempre um elogio. E o humor, apesar de não curar tudo, ajuda e muito a ultrapassar situações menos fáceis.

Conta-se que Muñoz Seca, um humorista espanhol, condenado à morte durante a guerra civil espanhola, por ter parodiado os comunistas, na altura do seu fuzilamento fez uma declaração que ficou para a história: “Podeis tirar-me a vida…tirar-me a honra…mas há uma coisa que nunca me tirarão…o medo que tenho de todos vocês!”

Elogiar torna tudo mais bonito. O humor torna tudo mais fácil.

7º Lição: O mundo não para

João XXIII tinha por hábito concluir seus encontros com os peregrinos com a frase: “voltem, voltem, pois infelizmente estamos sempre aqui”

Com isso queria dizer que por muito que o tempo passasse, por muitas voltas que as pessoas dessem, existiriam sempre coisas que nunca mudariam.

Nos tempos que correm, essa é a mais pura das verdades. Portugal vai ter eleições em Março e infelizmente os políticos que lá estiveram, serão os que lá estarão sempre. Agarrados aos princípios de Abril de 1974, sem terem a noção de que o Mundo mudou. Mas infelizmente eles estão sempre lá. Tal como João XXIII fez o Concilio Vaticano II a pensar no futuro e nos tempos que se vivia na altura, seria importante que os políticos se renovassem, e pensassem Portugal e não nos seus partidos e agendas. Seria importante que se renovassem, pois os que sempre lá andaram, não aprenderam nada desde 74. Podemos estar melhor em termos tecnológicos, com uma liberdade que só é condicionada pelos impostos que pagamos, mas de 1974 a 2024, a maior preocupação continua a ser o futuro dos nossos filhos, se antes a guerra colonial assustava os pais de todos os mancebos, hoje a possibilidade de não terem a dignidade de um emprego, e de terem de suportar a vida de sonho que não têm, assusta não só os pais, mas também os filhos.

A Grande Virtude:  Humildade

Com frequência, dizia: “Qualquer um pode ser Papa. A prova é que até eu o sou.”

A humildade desta frase, destaca a importância de um cargo que está sempre ao serviço. A facilidade com que nos esquecemos de que todos somos iguais, contrasta com a capacidade de que só alguns acham que conseguem ser os privilegiados.

Nas empresas exige-se uma cultura de meritocracia e uma obrigação em fazer as coisas com ética e princípios. Nas famílias entende-se ser obrigatória uma dedicação permanente, com respeito pelo sentir de cada um dos seus membros. Na política um espírito de serviço é o que se pede a quem exerce funções publicas, com uma noção de que o todo é sempre muito mais importante do que a parte. Mas a cada um de nós, a todos nós enquanto indivíduos, devemos almejar sempre um propósito maior do que o nosso. Devemos colocar o ser à frente do ter, pois o ter é efémero, mas o ser é eterno.