Discutiu-se na Assembleia da República a possibilidade de uma família de acolhimento ser candidata a adoção, proposta que seria de aproveitar, como sublinhou a deputada Patrícia Gilvaz, visto que o tema da proteção da criança é consensual da esquerda à direita, (ou assim seria de prever).
O que pretendia a Iniciativa Liberal com este Projeto Lei seria tornar a adoção da criança pela sua família de acolhimento viável, alterando o artigo 2º n.º 3 al. g) da Portaria n.º 278-A/2020. A verdade é que o nosso ordenamento jurídico está a impedir as famílias de acolhimento de adotar, limitação considerada injustificada, segundo a IL.
Sei-o, porque enquanto estagiava junto deste grupo parlamentar, tive conhecimento da história de um casal que fora família de acolhimento de um bebé, e que este a certa altura lhe foi retirado para ser adotado. Curiosa, prometi indagar sobre a questão e quando percebi que de facto existe esta proibição na nossa legislação e quando percebi o motivo pela qual ela existe, comuniquei-os ao gabinete, que felizmente me deu liberdade para tentar mudar a questão.
O resultado foi a apresentação de um projeto, que uniu todos os partidos do hemiciclo aquando da sua votação, à exceção do Partido Socialista, que fez questão de se destacar, ao impedir este desenvolvimento legislativo com o seu voto contra. Encarei-o com surpresa, mais ainda tendo o deputado Gilberto Anjos destacado, no debate que antecedeu a votação, que encara a importância do tema das crianças “não apenas com palavras e declarações”.
Os deputados do Partido Socialista justificaram o voto negativo de diferentes maneiras, o que revela a ambiguidade do sentido de voto socialista.
Marta Temido destacou a diferença entre os institutos da adoção e do acolhimento familiar, o que consistiu numa tentativa de justificar os seus diferentes regimes.
De facto, o acolhimento familiar é uma medida de promoção e proteção de caráter temporário, cujo objetivo essencial é afastar as crianças do perigo e garantir a sua recuperação física e psicológica e o seu desenvolvimento integral e que tem lugar quando seja previsível a posterior integração da criança ou jovem numa família ou, não sendo possível, para a preparação da criança ou jovem para a autonomia de vida. Ou seja, opta-se pela via do acolhimento familiar, em detrimento do acolhimento residencial, quando a adoção é uma possível solução.
Contrariamente, a adoção é um processo gradual, que permite a uma pessoa ou a um casal criar um vinculo de filiação com uma criança e que tem como objetivo primordial a realização do superior interesse da criança. Não entendo, no entanto, porque é que esta distinção é relevante para o caso.
Parece-me que o verdadeiro motivo pelo qual existe esta limitação e pura e simplesmente burocrático. Infelizmente, o processo de adoção é demorado, logo, se porventura os casais pudessem passar de famílias de acolhimento para adotantes, seguiriam essa via mais rápida. Não percebo, no entanto, o que de mal tem esta hipótese. Se uma família quer adotar a criança que está a seu cuidado como família de acolhimento, por que motivo deveria ser impedida de o fazer? Se foi possível estabelecer laços familiares, se há condições para a criança crescer com acompanhamento, porque é que uma simples burocracia se sobrepõe, literalmente, ao interesse da criança?
Já a deputada Patrícia Faro lembrou que existia um grupo de trabalho sobre crianças a decorrer, pelo que se deveria esperar que terminasse para o PS, só aí, apresentar propostas legislativas. Se há algo a admirar nesta argumentação, é que pelo menos o Partido Socialista assume que apenas quer melhorar a vida dos portugueses, neste caso, das crianças, se puder depois erguer a alteração legislativa como vitória socialista.
A verdade é que não podemos apontar falta de visão de campanha ao PS, pois, se por um lado, assumiu como objetivo diminuir até 2030 o número de crianças institucionalizadas através do acolhimento familiar, por outro lado, tem mais 6 anos até o fazer, para poder depois anunciar que cumpriu as metas. Parece que ao superior interesse da criança se sobrepõe o superior interesse de campanha eleitoral do Partido Socialista. As crianças que esperem!