As epidemias vêm em ondas: esta é uma realidade confirmada pela história em casos como o da peste negra ou da gripe espanhola, como por modelos matemáticos. Até agora já se verificaram entre nós e em todos os países da EU duas ondas, com a linha divisória a situar-se por volta de agosto. Os dados estatísticos aqui apresentados confirmam que a segunda onda (II onda) que estamos a viver e que terá atingido o cume de infetados entre a semana passada e a semana que vem na maioria dos países da EU, como entre nós, é bastante mais intensa em número de infeções que a primeira onda (I onda). O número confirmado de casos diários atingiu um máximo de cerca de 800 em abril, enquanto que o pico da II onda terá sido atingido entre 18 e 24.11 com 6 400 infetados, ou seja, 6 vezes superior à primeira.[1] Estas ondas são devidas ao abrandamento nos comportamentos de distanciamento social e a uma possível mutação do vírus.

Portugal registou até agora 280 934 casos confirmados e 4 209 óbitos, segundo a DGS, o que corresponde a uma taxa de infeção de 2,7% e taxa de mortalidade de 0,4%.

Em termos de casos confirmados por habitante, e excluindo pequenos países, Portugal encontra-se na 20ª posição a nível mundial, lugar que mantém desde abril,[2] e na 30ª posição no número de mortes por habitante. A nível da UE, Portugal que estava em sexto lugar em termos de número total de infetados por habitante, passou para a 12ª posição na segunda onda. Com os dados totais até 21.12 o nosso país está na oitava posição dentro da UE, com um total de 260 758 casos, ou seja, 25 602 casos por milhão de habitantes.

As taxas de letalidade baixaram drasticamente na atual II onda: a nível da UE baixaram de 9,46% na I onda para 0,97% na segunda. Esta redução estará ligada a um melhor tratamento médico da doença, à melhoria das estruturas de saúde e a uma possível mutação do vírus. Portugal também registou uma descida, mas muito inferior de 3,29 para 0,98%, porque na I onda a taxa de letalidade foi bastante inferior à média europeia, embora agora esteja na média. Por esta razão, o número de mortes devido à Covid-19 estima-se que atinja cerca de 5 mil em meados de dezembro, quando a parte aguda da II onda estiver eventualmente ultrapassada.

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Vejamos, pois, como Portugal se situa no contexto da UE. Primeiro, em termos de número de infetados, depois em número de óbitos atribuídos à Covid-19. No ponto 3 reportam-se os dados da taxa de letalidade, que relaciona o número de mortes com os de infeção. Porque nem sempre as estatísticas reportam a totalidade de mortes devido à Covid e devido ao congestionamento do sistema de saúde doentes com outras doenças poderão acabar por falecer, uma grande parte dos sites que acompanham a pandemia começaram a reportar também o excesso de mortes, que é estudado no ponto 5, e a seguinte tira algumas conclusões.

1 Número de casos confirmados de infeção

A evolução diária dos infetados (Gráfico 1)[3] mostra claramente uma redução significativa da I onda a partir da primeira semana de maio. A epidemia permaneceu a níveis baixos até princípios de agosto, e na primeira metade de agosto começa a eclodir a II onda. Como se pode observar pelo gráfico não houve sincronia nas ondas da epidemia. Na I onda Itália e Espanha foram os primeiros países a registar uma subida acentuada das infeções, Portugal e os restantes países da amostra seguem com um desfasamento de cerca de 1 a 2 semanas. Na II onda, Espanha começa a registar um forte aumento logo em agosto, a Bélgica em finais de setembro, e Portugal e Alemanha na primeira metade de outubro. Note-se também que no interregno entre estas duas ondas (entre 15.5 e 31.7), Portugal foi o terceiro país da UE com maior número de infetados (28 por 1 milhão de habitantes), a seguir ao Reino Unido e Luxemburgo (60 e 55, respetivamente).

Os países onde a II onda é mais intensa parece já terem passado o cume da II onda. A Bélgica atingiu o máximo na semana de 30.10, Espanha na semana de 4.11 e Portugal na semana de 19.11.

Gráfico 1

Fonte: ourworldindata, consultado em 1.12 Nota: O máximo da Bélgica foi de 1 532 registado em 30.10

Em termos totais, desde que a pandemia eclodiu, em Portugal e até 1.12, o total de infeções por 100 mil habitantes (Gráfico 2) estava acima da média da UE, com uma taxa de 2 900, em 10ª posição entre os países com taxas mais elevadas. Mas as diferenças dentro da UE são enormes, com a Bélgica, República Checa, Luxemburgo e Espanha com taxas superiores a 3 300, enquanto a Finlândia, Letónia, Estónia, Grécia, Chipre, Alemanha e Dinamarca têm uma taxa inferior a 1 400. A segunda onda tem sido particularmente grave na República Checa, Bélgica e Luxemburgo.

Gráfico 2

Fonte: ourworldindata

2 Número de mortos atribuídos à Covid-19

O Gráfico 3 mostra a evolução do número de mortes atribuídas à Covid-19 por milhão de habitantes. A primeira leitura revela que as taxas de mortalidade ainda são na II onda claramente inferiores à I onda. A segunda é que à semelhança da I onda, também a curva dos diferentes países na II onda não são sincrónicas. Como o gráfico revela, a Bélgica e a Espanha continuam a ser os dois países com maiores taxas de mortalidade, Portugal encontra-se numa situação intermédia e a Alemanha e Finlândia têm taxas claramente inferiores.

Gráfico 3

Fonte: ourworldindata

A terceira observação importante é que a II onda de mortes ainda está numa situação intermédia da sua evolução, com uma diferença de cerca de 2 semanas de diferimento em relação ao pico das infeções. Para podermos comparar as duas ondas fez-se uma previsão da sua evolução até 15 de dezembro, considerando os diferentes pontos em que a curva da pandemia se encontra nos diferentes países. As estimativas encontram-se nos Gráficos 4 e Quadro 1. O Gráfico 4 apresenta os dados da I e II ondas, assim como o total estimado. Os países com maior número de mortos por habitante são a Bélgica, que constitui um outlier na nossa amostra, seguida pela Espanha, Itália e Reino Unido, todos com mais de 9 000 mortes por 10 milhões de habitantes. Há dois países da Europa de Leste que tiveram uma baixa mortalidade na I onda e nesta segunda onda estão entre o grupo de maior mortalidade, que são a Eslovénia e a República Checa, o que é surpreendente e que merce uma investigação mais detalhada para saber o que correu bem na I onda e mal nesta. Portugal tem uma taxa de mortalidade de 5 227 abaixo da média da UE que atinge 7 376, entre a Holanda e a Polónia. Os países com taxas inferiores a 1 000 são Chipre, Finlândia, Estónia. Com taxas entre 1 e 2 mil estão a Letónia e Dinamarca, e entre 2 mil e 2 500 estão a Eslováquia, Alemanha, Lituânia e Grécia.

Gráfico 4

Fonte: ourworldindata e estimativas do autor

Quadro 1

Fonte: ourworldindata, consultado em 1.12 e cálculos do autor

Um facto importante é que existe uma correlação muito fraca entre a I e II ondas (Gráfico 6), embora a II onda ainda esteja em geral num ponto intermédio da sua evolução. O coeficiente de correlação é apenas de 0,256.

Gráfico 5

Fonte: Cálculos do autor

3 Taxas de letalidade

As taxas de letalidade (Gráfico 7 e Quadro 2) baixaram significativamente em todos os países (exceto na Bulgária e Malta). Em média, na UE a taxa de letalidade na II onda é de 18,7% da taxa da I onda. Os países onde esta mais baixou foram a Holanda, França, Suécia e Dinamarca: todos países onde a taxa de letalidade da II onda é inferior a 10% da taxa da 1ª onda. Em Portugal, a taxa da II onda é 45% da primeira. Mas no total Portugal tem ainda uma taxa de letalidade inferior à média da UE (1,8% contra 2,9%), próxima da Holanda e Alemanha.

Gráfico 6

Fonte: ourworldindata e cálculos do autor

Quadro 2

Fonte: ourworldindata e cálculos do autor

No total, os países que apresentam maior taxa de letalidade são a Itália, Reino Unido, Bulgária e Espanha. Por outro lado, aqueles que apresentam menores taxas são Chipre, Lituânia, Estónia e Eslováquia.

4 Taxas de excesso de mortalidade

As dificuldades em atribuir a causa da morte à Covid-19 devido à co-morbilidade, as insuficiências de cobertura estatística ou as mortes devido a outras causas que se podem acentuar devido ao congestionamento médico ou hospitalar, apontam para a necessidade de calcular o excesso de mortalidade durante a pandemia. Um dos indicadores mais utilizados é o P-score que mede o excesso de mortes pela população. O numerador mede-se pelo número de mortes verificado menos o número esperado de mortes, que pode ser medido pela mortalidade média nos últimos 5 anos, ajustado pela estrutura etária ou por algum fenómeno sanitário anormal. O denominador é a população esperada para o mesmo período. Esta taxa é definida para cada semana. Quando a estimação das mortes e população esperada é feita por ajustamento estatístico, com uma série de anos mais ou menos longa, podem definir-se indicadores com diversos intervalos de confiança.

O Quadro 3 apresenta os P-scores para o total do período da pandemia. Como podemos observar, as maiores taxas de excesso de mortalidade verificam-se na Espanha, Itália e Reino Unido. Portugal está no sexto lugar. Os países sem excesso de mortalidade, com P-scores negativos são a Eslováquia, Hungria, Letónia e Croácia.

Quadro 3

Fonte: ourworldindata

O Gráfico 8 mostra que existe uma elevada correlação entre as taxas de mortalidade devido ao Covid-19 e o excesso de mortes medido pelo P-score, o que prova que as causas acima indicadas para o aparecimento deste excesso são relevantes.

Assim, o problema do congestionamento do sistema médico e hospitalar e a falta de cobertura estatística são mais graves em países com elevada mortalidade devido ao Covid-19.

Gráfico 7

Fonte: Cálculos do autor

5 Conclusões

As estatísticas mostram que a pandemia continua ainda bastante intensa e assumiu uma dimensão cerca de 4,5 vezes superior em número de infetados na II onda que terá ultrapassado o cume na semana de 18 de novembro. É interessante que a II onda tem revelado uma baixa correlação com a anterior. Houve países como a Bélgica que continuam a ser os mais afetados em termos de infeções, e outros como a Finlândia, Países Bálticos e Alemanha que continuam a registar não só baixos níveis de infeções como de mortes. Porém, também houve países como a República Checa e Eslovénia em que houve uma reviravolta, com uma I onda baixa e uma das mais elevadas taxas de infeções na II onda. Portugal registou um múltiplo de 4,5 nas infeções, mas deverá haver apenas uma duplicação de mortes, nas nossas estimativas. Em termos gerais, Portugal está no décimo lugar em termos de infeções, a contar dos mais graves na UE, um pouco acima da média europeia, que é dominada pela evolução nos grandes países, em geral insatisfatória, com a exceção da Alemanha. Já em termos da taxa de mortalidade estamos a meio da tabela, na 15ª posição a contar das mais elevadas da UE, com cerca de 70% da média da UE.

[1] Dados alisados devido às elevadas flutuações estatísticas diárias. Dados do https://ourworldindata.org/coronavirus consultados a 27.11.2020.
[2] Dados do https://www.worldometers.info/coronavirus/ consultados a 27.11.2020.

[3] Nos gráficos cronológicos escolhemos representar Portugal e Espanha, e depois o país com maiores taxas de incidência da pandemia (Bélgica) e os dois com menor (Finlândia e Alemanha).