Recentemente tem-se observado um alinhamento progressivo, traduzido em cada vez mais ações conjuntas, de líderes autoritários ou com tendências autoritárias. Tal vai desde Putin a Orbán, de Ali Khamenei a Xi Jinping, de Maduro a Trump. A ordem mundial que existia desde o pós-guerra deixou de ser um confronto ideológico (mas não só) entre uma visão centralista de governação, e a intenção de democratização via economia de mercado e valores liberais. Agora, a escolha é entre a manutenção de ideais democráticos mediante uma plena democracia representativa, com a defesa do Estado de Direito, a manutenção e expansão de liberdades individuais e coletivas, da internacionalização e inclusão, ou, do outro lado, formas de governação autoritárias e iliberais.
As forças regressivas oferecem uma visão política baseada em cinismo, niilismo e sectarismo. E também como aconteceu com a criação das condições para uma ordem mundial bipolar, esta forma de ideologia é exportada para todos os quadrantes do globo, juntamente com as fórmulas em como ser implementada. No entanto, o processo de divisão e conquista é agora mais insidioso. Deixou de ser pela força dos tanques nas ruas de capitais europeias, ou com ‘Unidades Militares de Ajuda à Produção’ em Cuba, ou uma ‘Grande Revolução Cultural Proletária’ na China. Agora faz-se com dinheiro vivo, conhecimento disruptivo e técnicas de polarização, que fluem, eficazmente, para as sedes de partidos no ocidente. No caso europeu, Berlim, Viena, Roma, Haia, Paris.
As ações de Putin, e do Kremlin, não deixam quaisquer dúvidas sobre os seus planos para a Europa. Existe evidência que agentes do Kremlin interferiram no Referendo da Independência da Escócia, no da Manutenção do Reino Unido na União Europeia, nas eleições francesas de 2017, búlgaras em 2016, finlandesas em 2015, polacas em 2014, e durante o período de 2017 a 2018 desinformação gerada pelo Kremlin, ou agentes associados, foi espalhada antes de eleições na Itália, Países Baixos, e em Espanha pela altura do referendo para a independência da Catalunha. O objetivo é sempre o mesmo: enfraquecer as democracias europeias, desagregar Reinos, Uniões e Federações, vistas como adversários.
A manutenção e desenvolvimento do projeto europeu, como desejado por aqueles que acreditam em ideais democratas e liberais, vai depender, nos próximos cinco anos, do crescimento que obtiverem nas eleições de junho o Grupo da identidade e Democracia (GDI) no Parlamento Europeu. Isso irá também revelar qual será a força que os amigos de Moscovo irão ter em Bruxelas e Estrasburgo. Eurodeputados de outros grupos políticos, que o autor destes artigos tem o privilégio de conhecer (e trabalhar com alguns) falam da manutenção de um certo status-quo, com as grandes famílias políticas no Parlamento a continuarem a colaborar, mantendo aquela que tem sido a linha diretiva da criação da União Europeia como a conhecemos. É-me afiançado que serão os eurodeputados do Partido Popular (PPE), Socialistas e Democratas (S&D), Liberais (Renew Europe) e Verdes que irão continuar a ditar a agenda do Parlamento, criando o que agora se denomina como uma “cerca sanitária” a estes (novos) conservadores radicais e extremistas. Porém, isso ainda está por provar.
E isso leva-nos ao Chega, e aos seus futuros eurodeputados. Este partido papagueia o que os seus congéneres europeus dizem, que, por sua vez, se trata de informação reciclada e propagada por regimes de líderes autoritários. Como tal, não há, por parte deste partido, soluções construtivas, políticas substantivas, ou compreensão das questões civilizacionais europeias, recorrendo à falsidade, demagogia e populismo. Muitos dos votantes do Chega (e o autor conhece alguns) defendem este seu voto porque o líder do partido “diz as verdades”, ou “que tem a coragem de dizer o que os outros não podem dizer”. Porem, que verdades são estas no contexto europeu?
Que estamos “em risco de perder a soberania”? Que os burocratas em Bruxelas “querem mandar em nós”? Que a União Europeia “quer forçar valores aos portugueses que não são os nossos”? Tais frases não passam de chavões, que, por sua vez, já foram testados e refinados por ideólogos na Alemanha pelo Alternative für Deutschland, na Áustria pelo Freiheitliche Partei Österreichs, na França pelo Rassemblement National, e nos Países Baixos pelo Partij voor de Vrijheid, todos partidos que se sabe terem relações com Moscovo.
Na verdade, liberdades individuais sociais foram ganhas em Portugal sem ação da União Europeia. A perda (limitada) de soberania não levou, ou levará, ao fim de Portugal. E quem “manda nos europeus” são as instituições democráticas do Parlamento Europeu (com a eleição direta dos seus membros), da Comissão Europeia (mandatada pelo Parlamento), e do Conselho Europeu, onde se sentam os líderes democraticamente eleitos, mesmo aqueles que mostram tendências iliberais e mesmo autoritárias.
O agora pronunciado “voto de protesto”, nas eleições europeias é contraproducente, à luz daquilo que tem sido a ajuda que a União Europeia tem dado (e dá) a Portugal, que já nos salvou de bancarrotas do Estado por desastrosas gestões das finanças públicas, dos efeitos devastadores na economia que resultaram da pandemia COVID-19, com as ajudas durante as crises energéticas, ou nos apoios para a transformação digital e verde. Os portugueses que votarem no Chega nas eleições de 8 de junho ignoram (ou pior, na opinião do autor, concordam) que o seu voto servirá para deteriorar esta União Europeia que tanto tem feito por nós. Esperemos que estes eleitores tenham a sabedoria de perceber que estão a ser manipulados para votar em quem quer dar mais força a autoritários, votando assim em partidos que querem manter, e melhorar, o projeto europeu como o temos e desejamos.