Ah! Se a vossa liberdade/ Zelosamente guardais,/ Como sois usurpadores/ Da liberdade dos mais? (Bocage)

De acordo com os últimos acontecimentos, verifica-se que está na moda falar em liberdade mas tratá-la como se cada um de nós fosse uma ilha e as relações entre as pessoas não fizessem parte da equação, não me parece bem. Esta utilização abusiva do conceito de liberdade tem muito que se lhe diga, mas o meu tema hoje não é esse mas sim apelar à coerência e à verdade.

Estamos a ser confrontados com uma nova onda de greves das mais diversas. As greves prejudicam sempre alguém, caso contrário não fariam qualquer efeito. Parece-me a mim que em tudo, e até no direito à greve, se devia ponderar quem está ser prejudicado e a dimensão do prejuízo face à revindicação. No caso da educação e da greve anunciada para as actividades de avaliação com incidência nas reuniões de conselho de turma, os primeiros prejudicados são os adolescentes, depois os pais e só em terceiro lugar o Estado e o sistema. O impacto negativo na vida dos estudantes é talvez desproporcionado face ao impacto que a revindicação tem na vida dos professores. Isto porque a crise que afectou as carreiras dos professores também afectou a vida de todos os outros e em muitos casos gerou desemprego que não será nunca reposto. Portanto, não é aceitável prejudicar desta maneira os estudantes em nome da reposição de direitos que noutros sectores da sociedade nunca serão repostos, como o direito ao trabalho. Tanto quanto sei não vai haver greve no ensino particular, o que quer dizer que os adolescentes e seus pais poderão ter um fim de ano escolar descansado. Já aqueles que são utentes do serviço público não poderão ter a mesma sorte. Vão viver na incerteza, vão sofrer o desalento de sentir que estudaram para nada, e os cábulas vão sentir que valeu a pena não trabalhar. Muitos dirão: que inveja não poder estar no ensino particular, mas infelizmente não tenho liberdade para escolher.

Num país em que quase metade dos deputados acha que a liberdade é mais importante que a vida, pergunto por que razão não promovem a liberdade na educação? Todos pagamos impostos para que os nossos filhos tenham direito ao ensino gratuito mas depois só é oferecido ensino gratuito a quem escolhe o ensino público. E ainda por cima essa escolha não é livre porque depende do seu poder económico. Se todos os que estão no ensino público pudessem de facto escolher, estou certa de que sobrariam muitos lugares no público. Até desafio a que seja feita uma sondagem.

Então, como se resolve este assunto? De forma muito simples: estabelecendo para todos o cheque ensino. Cada família com o seu cheque ensino poderá escolher de forma livre que escola quer para o seu filho. Com isto promovem-se dois grandes valores: liberdade e igualdade, ambos na moda!

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E o que é então o cheque ensino? Explico de forma simplificada: o cheque ensino corresponde ao valor calculado do custo do ensino por aluno. Esse valor é entregue aos pais, em cheque, que poderá ser usado para pagar a escola dos filhos, pública ou privada, conforme a oferta disponível. O cheque não pode ser usado para qualquer outro destino. Isto não quer dizer que o ensino público passa a ser pago, mas sim que ficamos a saber quanto custa, porque o cheque é entregue pelo Estado e retorna ao Estado na inscrição no ensino público. Se a opção dos pais for para uma escola privada, o cheque é entregue na escola privada, que o deverá recuperar junto do organismo do Estado que vier a ter essa responsabilidade. Assim, todos pagamos impostos para que o ensino seja gratuito e todos o teremos gratuito, e também todos poderemos escolher a escola dos nossos filhos de acordo com a oferta disponível. Caberá ao Estado suprir lacunas onde a iniciativa privada não chegar, garantido a oferta escolar necessária. Este é o papel do Estado responsável em vez do Estado interferente, injusto e avesso à promoção da liberdade.

Então, porque razão os grandes promotores da liberdade em situações como a eutanásia e a alteração do sexo no registo civil não lutam pela liberdade de educação:

  1. Porque a liberdade para esses é apenas um chavão usado quando dá jeito e rejeitado quando não serve os seus objectivos;
  2. Porque ter poder sobre a educação é ter poder no futuro. Na nossa escola pública ensinam-se saberes, mas também a ideologia imposta por quem manda na educação. Como sabemos, até pela experiência dos países comunistas, a melhor forma de moldar uma sociedade é a partir da educação, alterando o vocabulário, a hierarquia de valores, etc;
  3. Porque ter uma classe profissional dominada por um sindicato é uma força brutal na negociação de certas reivindicações a troco da paz social;
  4. Porque ter um Estado todo-poderoso facilita a corrupção que no caso da educação se expressa nos contratos para obras nas escolas, na edificação de equipamentos desportivos onde os valores orçamentados são facilmente ultrapassados sem que haja um racional que o justifique e onde as adjudicações de produtos e serviços servem interesses que nada têm a ver com o bem dos alunos.

Deixo aqui este alerta e esta sugestão: não temos liberdade de educação para os nossos filhos, que estão a ser manipulados na escola, e há solução para este problema: a solução chama-se cheque ensino.

Portanto, chegou a hora de saber se há ou não coerência nos partidos. Se houver, teremos na próxima legislatura liberdade de ensino. Como estou certa de que, infelizmente, a liberdade apregoada é apenas uma falácia, deixo a pergunta: haverá algum partido que queira assumir coerentemente este desígnio de luta pela liberdade em vez do uso do chavão liberdade?

Termino com um pequeno texto de Miguel de Cervantes na esperança de inspirar os nossos políticos:

A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.