No decurso do corrente mês e no espaço de uma semana, quatro acontecimentos marcaram a agenda global. O primeiro ocorreu no sábado, dia 13, quando o Irão atacou Israel com mais de trezentos drones e mísseis, muitos dos quais foram abatidos antes de entrarem no espaço aéreo de Israel. A solidariedade ocidental – leia-se dos Estados Unidos, da França e do Reino Unido – intercetou uma parte considerável, malgrado alguns mísseis balísticos terem logrado escapara à Iron Dome israelita e provocado danos na base militar de onde tinha partido o ataque israelita ao consulado iraniano de Damasco.
Como resposta a este ataque massivo, verificou-se o segundo acontecimento porque Israel ripostou, na madrugada de dia 16, com o envio de três drones que atingiram Isfahan, a sul de Teerão, um local sensível, uma vez que, nessa zona, ficam sedeadas instalações nucleares e uma base de caças iranianos.
Na sequência da resposta israelita, ocorreu o terceiro acontecimento, ou seja, Lavrov informou Israel de que o Irão não iria retaliar, pois não estava interessado na escalada do conflito. Por isso, Moscovo apelava à contenção do Governo de Netanyahu.
Porém, há ainda um quarto acontecimento que merece ser chamado à colação. Na verdade, ao fim de seis meses de impasse devido à oposição republicana na Câmara dos Representantes, este órgão reuniu-se extraordinariamente este sábado para aprovar, em separado, a concessão de 57 mil milhões de euros à Ucrânia e de 24 mil milhões de euros a Israel. Uma concessão que, no caso ucraniano, engloba o material bélico pelo qual Zelensky há muito suspira, mas não é totalmente a fundo perdido, uma vez que parte dela obedece ao sistema de empréstimo. A forma de acalmar, mais do que calar, a oposição republicana, muito mais disposta a apoiar Israel do que a Ucrânia.
Estes quatro acontecimentos num tão curto lapso de tempo não decorrem da celeridade da vida atual. Uma época em que as novidades não têm tempo para envelhecer e desaparecem dos media a um ritmo avassalador. Estes acontecimentos encarregaram-se de mostrar que o Mundo de Múltiplas Ordens é uma realidade, embora uma delas, a Ordem Islâmica, ainda não tenha definida a respetiva liderança.
Por isso, a potência liderante da Ordem Eurasiana – a Rússia – assumiu o papel de mensageiro, mas, simultaneamente, deixou o aviso a Israel de que convinha moderar a sua atuação bélica e não apenas na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Além disso, Moscovo deixou claro que o apoio que o Irão lhe estava a prestar em termos de armamento na Ucrânia e no desgaste dos Estados Unidos através dos seus proxis – Hamas, Hezbollah, Jihad Palestiniana e Hutis – em Israel, merecia ser recompensado com a liderança da Ordem Islâmica. Um desiderato que está longe de adquirido, pois a Turquia e a Arábia Saudita também alimentam esse sonho. A primeira, através da memória do Império Otomano. A segunda, por força de ser o farol sunita, o ramo dominante no Mundo Islâmico.
Daí que os Estados Unidos, enquanto líderes da Ordem Liberal, embora com dificuldade em esconderem a nostalgia da hegemonia global perdida, se vissem obrigados a voltar a abrir os cordões à bolsa. A melhor estratégia para, a médio prazo, não verem colocada em causa a sua liderança.
À primeira vista, a China, a potência liderante da Ordem da Rota da Seda, parece ausente dos acontecimentos elencados. Porém, essa ausência não é real, mas apenas virtual. Na conjuntura atual, Pequim funciona como a versão revisitada da mão invisível imaginada por Adam Smith. Por isso apela ao Mundo Harmonioso e pós-hegemónico, mas esconde a ambição de impor a sua hegemonia global.
O lema da Universidade Lusófona, a minha universidade, é Humani Nihil Alienum, ou seja, nada do que é humano me é estranho. Um lema científica e humanamente muito ambicioso.
Nos anos mais recentes, Pequim substituiu Humani por Totius Mundi. A ambição ainda subiu de tom. Ao contrário dos princípios e dos valores. Mais uma prova provada de que, na conjuntura atual, as guerras são crescentemente híbridas. Continuam a exigir elevados sacrifícios humanos e materiais, sabem usar a dimensão cibernética e não dispensam o discurso e o sorriso. Uma mescla de soft, sharp e hard power.