A Madeira vive um dos períodos mais críticos da nossa história e, porventura, o mais complexo desde a implantação da Autonomia.

A pandemia que assola o Mundo apanhou-nos no caminho de recuperação económica, que vínhamos trilhando com sucesso após a grave crise que vivemos entre 2009 e 2015.

Os madeirenses, num grande esforço coletivo, vinham pagando a sua pesada dívida, sem qualquer ajuda do Estado, puseram a economia a crescer a bom ritmo e tinham reduzido, substancialmente, o desemprego. Num ápice, o vírus inverteu esta trajetória de sucesso, voltou a acentuar a nossa insularidade, a agravar a nossa ultraperiferia e a mostrar o esquecimento a que muitas vezes somos votados pelos órgãos da República.

A forma como, com poucos meios humanos e escassos recursos financeiros, combatemos a Covid-19 é notável e só foi possível porque todos, desde os mais altos responsáveis da Região até ao mais simples cidadão, demos uma lição de civismo e de elevado sentido de responsabilidade.

O facto de termos tido poucos casos, de termos travado a propagação do vírus e de termos evitado qualquer fatalidade, não é obra do acaso, ou da sorte, é, sim, fruto de muito trabalho, de muita gente. Mas atenção, que não se pode baixar a guarda porque a abertura das nossas fronteiras aéreas ao turismo tem riscos e, apesar de todas as medidas de controlo tomadas, podemos vir a ter um surgimento acentuado de novos casos. Daí o apelo, mais uma vez, ao sentido cívico dos cidadãos madeirenses para que cumpram as normas e regras emanadas pelas autoridades de Saúde.

Esta primeira crise da globalização veio pôr a descoberto os condicionamentos da nossa Autonomia, as fragilidades financeiras da Região e as debilidades económicas da Madeira e do Porto Santo.

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Em primeiro lugar, a dependência das Região Autónomas da vontade da República para tomar determinadas medidas, absolutamente essenciais, como foi o caso da quarentena, ou da execução de outras medidas que se impunham, face à nossa realidade insular durante o Estado de Emergência. Se dúvidas existissem, ficou, agora, clara, a necessidade de rever a Constituição para ampliar os poderes e competências da nossa Autonomia.

Em segundo lugar, a nossa dependência de uma Lei de Finanças das Regiões Autónomas, ultrapassada, que constrange a governação regional e nos deixa reféns dos humores e da vontade de quem, circunstancialmente, governa a República, independentemente do quadrante ou ideologia política. Ficou clara, a necessidade de um novo modelo de financiamento das Autonomias, que para além da solidariedade nacional e da cobertura dos custos de insularidade, tenha em conta os encargos que as Regiões assumem e que devem ser da responsabilidade do Estado.

Em terceiro lugar, com uma economia aberta ao exterior, fortemente dependente do turismo e dos serviços, obviamente que as consequências desta crise abalaram o tecido empresarial, descapitalizaram as empresas, provocaram falências, fizeram disparar o desemprego, originaram uma quebra de rendimento de muitas famílias e agudizaram as desigualdades sociais. Ficou claro que precisamos de ter as competências constitucionais e os instrumentos fiscais para diversificar a base produtiva, atrair investimento e capitais estrangeiros para fazer crescer a economia, criar emprego e ter receitas orçamentais para fazer face ao aumento da despesa social.

Em quarto lugar, importa que a República entenda que os custos de insularidade são, constitucionalmente, custos de soberania e que, portanto, devem ser suportados pelo Estado.

O que se verifica com o incumprimento do princípio da continuidade territorial, em especial, com a mobilidade aérea e marítima, é uma desconsideração para com os portugueses das ilhas que precisa de ser ultrapassada, rapidamente, sob pena de nos sentirmos cidadãos discriminados no seio da Nação.

Ao Estado e à União Europeia exige-se uma de duas opções: ou financiam, com outros montantes, os custos da nossa insularidade e ultraperiferia, o nosso desenvolvimento e as nossas necessidades orçamentais, ou então concedem-nos os instrumentos legais para podermos fazer um caminho próprio, com um território de baixa fiscalidade, que nos conduza ao progresso e à desejável sustentabilidade financeira.

Esta é uma decisão, que mais cedo ou mais tarde, terá que ser posta na agenda das negociações entre a Região, a República e a União Europeia.

As ilhas não são um peso para o Estado ou para a Europa.

A Madeira e os Açores são uma mais-valia geoestratégica, política e económica para a dimensão atlântica da Europa. E simultaneamente, os seus mares permitem dotar Portugal de uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo.

A saída da Inglaterra da União só veio reforçar a posição das nossas ilhas, pois se a Europa não for atlântica perde dois eixos da sua mundivisão: as Américas e África, continentes onde temos importantes comunidades emigrantes que dão mais força, grandeza e poder de afirmação ao nosso país e ao Velho Continente.

As nossas ilhas são a frente atlântica que a Europa precisa para ter uma Voz decisiva no mundo.

A solidariedade nacional e, sobretudo, a ajuda europeia, podem fazer toda a diferença, pois o pior pode estar ainda para chegar, já que não há previsões fiáveis de quando acabará esta pandemia, que níveis de recessão e de desemprego vai provocar, quando voltará a confiança aos nossos parceiros económicos e aos mercados emissores de turismo, quando começaremos a recuperar e a que ritmo e, finalmente, quando voltaremos a crescer e a criar emprego.

Se tudo isto é verdade e nos preocupa, é igualmente certo que esta crise pode ser uma oportunidade para mudar o nosso modelo económico, diversificar a base produtiva, valorizar os setores primários, revigorar algumas indústrias, generalizar a integração das novas tecnologias no tecido empresarial, cuidar melhor dos nossos recursos naturais e do ambiente e dar outra atenção à distribuição da riqueza.

Não podemos continuar a ser uma das Regiões com mais desigualdades territoriais e sociais da União Europeia. Muitos madeirenses estão a passar por severas privações, ou porque já eram pobres e a sua situação se agravou, ou porque, sendo da classe média, perderam uma parte ou a totalidade do seu rendimento.

Os fundos que chegarem da União Europeia terão que ser canalizados para o investimento reprodutivo, com retorno económico e social. Só assim será possível recuperar desta emergência e preparar a Região para outras crises, sejam elas de saúde ou financeiras.