Para quem pouco sabe da vida militar naval, o navio USS Benfold é um navio de guerra da Marinha dos Estados Unidos. Lançado ao mar em 1994, é um navio equipado com diversos sistemas de combate, que lhe permite realizar missões de defesa aérea, estando capacitado para a guerra antissubmarina, anti-superfície e com possibilidade de efectuar ataques terrestres, usando mísseis, torpedos, canhões e helicópteros. Considerado um dos navios estrelas da Marinha norte-americana, não só pelos seus feitos, mas também pela forma como tem sido escalado para receber tecnologia de ponta.
Em 1998 destacou-se por ter sido o primeiro navio a disparar um míssil Tomahawk contra alvos no Iraque, durante a Operação Raposa do Deserto. Foi o primeiro navio de guerra a usar o sistema de comunicação por satélite e o sistema de navegação por GPS. Foi em 2015 o primeiro navio a receber o sistema de controle de danos digitais, melhorando a sua capacidade de resposta a este tipo de ameaças.
Li recentemente um livro, escrito pelo Comandante D. Michael Abrashoff, que relata e retrata a sua liderança à frente deste icónico navio de guerra. Com apenas 36 anos, Michael Abrashoff foi nomeado comandante do USS Benfold, (na altura o comandante mais novo da frota do Pacífico), tendo encontrado um navio com baixas prestações, com a moral da sua tripulação em baixo e com uma elevada taxa de abandono/rotatividade. No entanto, após 12 meses, o navio classificou-se no primeiro lugar em termos de desempenho e com a mesma tripulação.
No livro, o autor compartilha as técnicas de gestão que usou para motivar, capacitar e responsabilizar a sua tripulação, bem como para melhorar a comunicação, a inovação e a eficiência do navio. O livro mostra como os princípios da inteligência emocional, da confiança, da visão e da cultura podem ser aplicados em qualquer organização ou situação, assim como a boa disposição e sentido de pertença, num contexto, sempre de prontidão.
Nele, vemos como um líder é muito mais do que alguém mandatado para comandar.
Ao receber o comando do USS Benfold, o comandante Abrashoff, assumiu que o seu sucesso partiria de perspectivar o navio da óptica da sua guarnição, princípio que a marinha norte-americana, e todas as empresas, instituições e organizações, aplaudem na teoria, mas que rejeitam na práctica. Habitualmente o sistema valoriza a micro gestão das actividades, pelos superiores, a troco da desresponsabilização daqueles que lhes estão subordinados, o que se compreende na atitude de obediência, virtude essencial no caos que é um campo de batalha.
Ao longo do livro percebemos claramente que a liderança deste comandante vai muito para além dos cânones militares. Preocupa-se muito mais com os seus homens e com o seu navio do que com a sua carreira e popularidade, colocando-a até em causa pelo bem-estar da tripulação. Ouvia com uma particularidade, que o próprio descrevia como escuta agressiva, o que lhe permitia potenciar as ideias dos seus comandados, pois se no passado as chefias as ignoravam, no USS Benfold, agora eram desenvolvidas. Conseguiu com pequenas medidas, sugeridas pelos seus militares, reduções de custos significativas, mantendo a prontidão e motivação da sua guarnição.
Manteve sempre como prioridade, o informar o propósito e significado da missão do navio, para que a tripulação como um todo estivesse informada dos seus objectivos e planos (desde que não fossem secretos), pois quando se percebe o objectivo final, cada um percepciona a importância de realizar bem a sua tarefa.
Substituindo a liderança de comando e controle por comprometimento e coesão. A lição foi clara, a liderança é importante, mas a cultura é tudo.
É um exemplo com grande aplicabilidade para as empresas. A forma genuína como o autor escutava os seus comandados, dando-lhes a confiança para poderem explanar sobre o que fazem, recebendo e propondo propostas de melhorias e alternativas muitas vezes disruptivas, devia servir de exemplo às lideranças de muitas organizações, mas que tal como na marinha americana, são mais as vezes que valorizam a teoria e muitas que rejeitam a sua práctica. Tal facto deve-se, mais à insegurança dos gestores, à cultura de que quem manda é que sabe, bem como à verdade ilusória de que chefiar é liderar.
Liderar não é chefiar. Liderar é potenciar o melhor de cada um, assumindo a responsabilidade pelo colectivo tendo a clara consciência de que o crescimento individual de cada elemento, inserido num todo, torna-se muito mais do que a sua soma. Chefiar é trabalhar o curto prazo. Liderar é pensar a longo prazo.
O Comandante Abrashoff despontou o orgulho, naquele que foi, e ainda é considerado por muitos, o mais fabuloso navio da marinha de guerra dos Estados Unidos, tendo para isso desenvolvido o orgulho de cada um dos seus homens por estarem ao serviço no Benfold. Esse orgulho tinha de ser visível, não só quando o navio era visitado, através de uma constante simpatia e atenção ao visitante, mas também em terra, onde a tripulação tinha de se afastar das confusões, tipicas de quem passa muito tempo no mar e ter sempre comportamentos exemplares.
Sentido de pertença nas Empresas
Às empresas portuguesas, falta muitas vezes o sentido pertença. Quantas são as grandes empresas que, apesar de ganharem prémios que certificam os seus Recursos Humanos, não fazem percepcionar a importância desses prémios em todas as linhas de actuação. Um profissional de uma empresa deve ou devia ter sempre orgulho na mesma. Quantos filhos sabem o nome da empresa onde os pais trabalham? Quantos deles ouvem em casa, mais queixas que celebrações? Escrevi em Agosto de 2023 um artigo intitulado, “O Amor nunca sai de moda”, e encontrei neste livro um dos melhores exemplos do que é trabalhar por amor. São vários os exemplos dados ao longo do livro.
Navegar em Família
Mas se pensamos que este é só um livro para gestores, estamos muito enganados. As famílias também o podem ler, pois o comandante Michael Abrashoff mostra como é transversal ter uma comunicação sempre assente no que se sente, num propósito comum, tudo isso para que se seja sempre bem percepcionado.
De facto, um navio é um pouco como uma casa de família. O comandante e o imediato são os pais, os oficiais outros familiares, os sargentos são os irmãos mais velhos e os praças os filhos mais novos. Existem famílias onde a comunicação é muito impusitiva, onde o comandante manda, o imediato nunca discorda e os filhos obedecem. São aquelas famílias onde a casa está sempre imaculadamente arrumada, onde cada um tem o seu afazer, e no fim juntam tudo para parecer o que não são. Existem outros comandantes que de forma dinâmica vão envolvendo toda a família na forma como abordam o presente e prespectivam o futuro. São aquelas famílias que têm a sala com brinquedos, os quartos dos miudos “armadilhados” com peças de lego, fatais para os pés descalços dos adultos, na sala, o sofá tem uma manta que é sempre curta para quem nele está.
Os primeiros são os politicamente correctos. Os segundos são os familiarmente felizes.
Os primeiros são, com toda a certeza, bons profissionais, excelentes alunos, quando juntos, dão óptimas fotografias de natal, juntam-se para fazer viagens onde o objectivo é sobretudo preencher tempos. Os segundos são profissionais realizados, alunos felizes e brincalhões, as fotos de Natal são sempre difíceis de tirar, pois há um dos seus membros que consegue ter sempre os olhos fechados, outro ri ou faz caretas, nestas famílias as viagens são feitas para construirem memórias.
Cabe ao comando dos navios, neste caso o casal, pugnarem por uma navegação de acordo com o seu sentir.
Espírito de Missão na Política
Os políticos e governantes, hoje mais do que nunca, deveriam adoptar bons exemplos de liderança, pois nele encontrariam com toda a certeza exemplos de como potenciar o orgulho nacional, o sentimento de pertença e a capacidade de dar sempre um pouco mais, um pouco mais por algo maior.
Cabe aos partidos, dentro dos seus quadros, construir condições para que os seus eleitos consigam recrutar na sociedade civil os melhores para servirem Portugal. Não precisamos de deputados independentes. Precisamos sim de bons deputados que consigam validar um bom programa de governo, e que aceitem que o chefe de governo procure, aí sim, os melhores, independentes ou não, para gerirem as suas pastas, sempre com amor a Portugal e sem dependências partidárias. Terá sempre de merecer repúdio, e com alguma veemência, a nomeação de alguns governantes sem experiência, que não a partidária, para pastas com elevada tecnicidade.
Um navio de guerra, uma empresa, uma família ou até mesmo um Governo têm muito mais em comum do que parece. São todos eles formados por um conjunto de pessoas que têm um desígnio comum, seja ele manter a paz, gerar rentabilidade, estarem uns para os outros, ou coordenar um país, sendo que o seu grau de sucesso depende da qualidade da comunicação, da confiança, da motivação e da satisfação dos seus elementos para manter a sua coesão, a sua eficiência, a sua produtividade, e até mesmo e sobretudo a sua felicidade.
USS: United States Ship (navio dos Estados Unidos)
Recomendação de Leitura: “É o seu navio!” de Comandande D. Michael Abrashoff da Oasis/ENN