Na primeira semana de 2021, o Eurostat revelou que a percentagem de pobreza energética, em Portugal, é quase o triplo da média da União Europeia (6,9%), com 18,9% dos cidadãos a indicar ausência de condições para aquecer suficientemente as casas. Independentemente da robustez destes dados, há uma conclusão, verdadeiramente indesmentível, em que uma importante percentagem dos portugueses considera que vive perante dificuldades em aceder a energia, seja térmica ou de qualquer outra natureza.
Este facto poderá ter diversas origens, designadamente a falta de qualidade térmica da construção em Portugal, o baixo rendimento económico dos cidadãos ou, ainda, o elevado custo da energia em Portugal, nomeadamente o da electricidade.
Uma das formas, por parte dos consumidores, em combater o elevado custo de aquisição da electricidade poderá passar pela instalação de unidades de produção de energia fotovoltaica, destinada ao consumo do próprio, podendo, em situações de excesso de energia, vender a energia produzida à rede.
Através de uma Unidade de Produção para Autoconsumo (UPAC), o consumidor conseguirá substituir parte da energia habitualmente adquirida à rede e obter uma redução significativa da factura de electricidade, passando a consumir energia renovável (sem emissões de CO2), diminuindo a respectiva dependência energética e com um retorno do investimento garantido. Trata-se, assim, de um tipo de produção que fará todo o sentido ser promovida.
Infelizmente, trata-se de um investimento que não estará disponível para uma elevada percentagem dos cidadãos, em virtude do valor de investimento necessário (superior a 5 mil euros), bem como pelo facto de nem todas as habitações terem capacidade para albergar este tipo de equipamento, designadamente por falta de espaço ou de exposição solar rentável.
Em Outubro 2019, o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 162/2019, relativo ao novo regime jurídico aplicável ao autoconsumo de energia renovável, enquadrando as Unidades de Produção para Autoconsumo (UPAC) e de Pequena Produção (UPP). De acordo com o novo quadro regulamentar, todas as instalações de autoconsumo fotovoltaico, que à data de 1 de Janeiro de 2020 se encontravam em exploração, passam a reger-se pelo novo regime jurídico. Isto possibilitou que o Governo, através do Secretário de Estado da Energia, isentasse estes consumidores do pagamento dos encargos com os CIEG (Custos de Interesse Económico e Geral – onde se inclui o sobrecusto com as renováveis, custos com a dívida tarifária do sistema eléctrico e outros), para o autoconsumo na modalidade colectiva e individual, consequentemente reduzindo o valor da respectiva factura, dependendo dos casos, em mais de 20%, isto para a electricidade adquirida à rede.
O Conselho Tarifário da ERSE, no seu parecer às tarifas para 2021, veio apresentar grandes reservas à isenção de CIEG ao regime de autoconsumo, considerando “que a isenção de pagamento de CIEG a determinados consumidores implica uma redistribuição desses custos pelos outros consumidores, afectando as tarifas de acesso às redes aplicáveis. Na ausência de fontes de financiamento alternativas para suportar isenções de pagamento de CIEG, o impacto tarifário para os restantes consumidores de electricidade pode ser significativo”.
Isto significa que a com a aplicação deste conjunto de medidas, o cidadão que habite num apartamento T2 localizado em Rio Tinto ou em Santo António dos Cavaleiros, dificilmente terá acesso a esta isenção, porque provavelmente não terá espaço útil suficiente para instalar os respectivos painéis solares para autoconsumo, para além da mais que provável impossibilidade económica em realizar este elevado investimento, aliado ao facto de habitar num imóvel do qual não é proprietário. No lado inverso, o consumidor que habite na Quinta da Marinha, com toda a certeza já não sofrerá da limitação de espaço, podendo facilmente colocar os painéis solares no telhado da sua habitação com mais de 500 m2, ou ainda no logradouro da sua vivenda, sendo a redução da respectiva factura de electricidade suportada pelos restantes consumidores que não dispõem da possibilidade de instalar os respectivos painéis solares.
Para o comum dos consumidores, é de difícil compreensão a injustiça criada pela aplicação conjunta deste quadro legal, em que os consumidores com menores rendimentos têm de suportar os custos da energia eléctrica de outros consumidores, os quais, pelos mais diversos motivos não terão limitações económicas. O grau de injustiça social gerada, apenas poderá fazer lembrar a actuação do Xerife de Nottingham na lenda, em que um tirano injusto maltrata a população de Nottinghamshire, sujeitando-a a impostos inacessíveis e promovendo, simultaneamente, a desigualdade social.