Os governantes portugueses falam de digitalização dia sim, dia não. É a palavra da moda, erguida como bandeira reformista. Sim, o potencial é indiscutível e entusiasmante. Só que o potencial é apenas uma parte — a outra parte consiste em implementar políticas públicas devidamente planeadas para que a digitalização seja uma mais-valia, em vez de um problema. Ora, é nesta dimensão de planeamento que as coisas geralmente correm mal.

Na Educação, conhecemos agora um caso exemplar dos efeitos nefastos dessa falta de planeamento. Decorreu, entre 16 e 26 de Maio, o período para a realização da prova de aferição do 8º ano de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) — a primeira vez que uma prova destas se realizou 100% em formato digital. E foi um pequeno desastre operacional. De acordo com um parecer da ANPRI, apenas 27% dos alunos concluíram a prova no tempo regulamentar e metade dos alunos (49%) não a concluiu de todo. Houve ainda alunos (24%) que concluíram a prova dispondo de um período extra e discricionário (que oscilou entre 30 minutos e toda uma manhã/tarde). Consequência óbvia: estas provas de aferição pouco ou nada aferiram. Se metade (!) dos alunos não concluiu por motivos técnicos e um quarto dos alunos concluiu porque beneficiou de tolerâncias de que outros não beneficiaram, a comparabilidade entre resultados ficou comprometida e não há generalização possível a partir dos resultados, que não espelharão os conhecimentos dos alunos portugueses. Um fiasco.

A culpa do fiasco atribui-se ao formato digital? Não — as avaliações internacionais também se fazem em Portugal com provas digitais e tudo corre bem. O problema aqui esteve na falta de planeamento em vários momentos. Primeiro, o procedimento concursal para o desenvolvimento da plataforma das provas digitais foi tardio — o contrato público data de 21 de Março de 2023, menos de dois meses antes da realização das provas de aferição. Segundo, os atrasos converteram-se em pressão sobre as escolas, que receberam orientações para a realização da prova (e instalação do programa) cerca de 72 horas antes (com fim-de-semana) do início do período para a sua realização. Terceiro, a esmagadora maioria das escolas não pôde fazer testagem prévia dos equipamentos com uma prova-teste, porque esta deixou de estar disponível logo no dia 16 de Maio. Quarto, o programa para realizar as provas tinha incompatibilidades de requisitos com vários dispositivos, pelo que gerou bloqueios e anomalias em inúmeros computadores, impedindo a realização da prova por parte dos alunos. Quinto, as palavras-passe facultadas pelo Ministério não cumpriam os requisitos legais para a segurança e protecção de dados.

Depressa e bem não há quem. Esta sequência de incompetências imposta pela pressa inviabilizou a utilidade destas provas e a comparabilidade entre alunos, como assinalou a deputada Carla Castro em artigo no Público. Mas as consequências vão ainda mais longe: com este processo desastrado, o ministério sacrificou a credibilidade da avaliação externa dos alunos (e, em particular, da avaliação em formato digital) — haverá algum aluno ou professor que, depois disto, leve estas provas de aferição digitais a sério? Não creio. E, por isso, a conclusão só pode ser uma: esta experiência de provas de aferição digitais foi um fiasco que só não se revelou inútil porque, embora não sirva para avaliar os alunos, serve para avaliar o ministério. E o ministério chumbou.

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