Há seis meses, abordei aqui no Observador, o tema das rendas acessíveis. Então, sem qualquer diploma publicado, valeram-me os anúncios do governo para fazer uma primeira análise. Concluí que quem aderisse à renda acessível perdia dinheiro e ficava com uma renda limitada. Hoje, já temos um decreto-lei e várias portarias. A primeira conclusão é que se anda a perder tempo.
Desde 2013 que António Costa promete o arrendamento acessível. O programa eleitoral do PS à Câmara Municipal de Lisboa nesse ano falava de “novos programas de habitação que permitem reabilitar casas vazias para arrendamento acessível”. E quando chegou ao governo em finais de 2015, repetiu essa promessa, anunciando a “oferta alargada de habitação acessível para arrendamento”. Dois anos depois, em 2017, o governo anunciava que no ano seguinte, queria “um em cada cinco novos contratos com renda acessível”. O governo “queria”… mas não surgiu um único! Agora, mais dois anos volvidos, avança um novo desejo: “Gostaríamos que daqui a um ano 20% dos contratos tivesse renda acessível”.
Após seis anos de promessas, anúncios e “desejos”, não existe qualquer casa com renda acessível. Nem em Lisboa, nem em qualquer outra cidade do país.
Os valores ditos “acessíveis” são simplesmente escandalosos. Só um eufemismo e muita dissimulação explicam semelhante logro. A generalidade das famílias e dos jovens que procura casa para arrendar, não tem recursos para pagar rendas de 600 ou 700 euros, quanto mais os valores acima dos mil euros tabelados para as cidades de Lisboa e do Porto.
O valor mediano das rendas que serve de base aos preços apresentados está abaixo dos valores de mercado e não reflecte as variações resultantes da localização dos imóveis.
Quem alinhar neste sistema, para além dos 20% de redução do preço nas rendas acessíveis, irá suportar uma distorção relativamente aos valores de mercado, que subirá essa percentagem para 30 e até 40%. Basta analisar as estatísticas divulgadas pela Confidencial Imobiliário e confrontá-las com os valores anunciados pelo governo, para confirmar esta afirmação. Por exemplo em Lisboa a diferença é de 12%, no Porto é de 18,5%, na freguesia de Arroios (Lisboa) de 28,9% e na freguesia do centro histórico do Porto de 39,8%.
Qualquer proprietário que faça contas e ainda assim arrisque arrendar, descobrirá que é preferível o regime de renda livre que o dispensa das obrigações e penalizações deste sistema e lhe garante uma rentabilidade superior.
É caricato verificar que para determinar o valor da renda acessível criaram uma dezena de variáveis – tipo de edifício, piso, estado de conservação, acessos, áreas da construção, certificado energético, etc. – mas deixaram de lado a localização do imóvel. A ausência do fator de localização no cálculo do valor da renda, mesmo nos casos de Lisboa e Porto cujos valores são desagregados por freguesia, traduz-se em diferenças que afastam ainda mais as rendas acessíveis dos valores de mercado. Não se compreende que existindo em sede de IMI, para todos os municípios do país, zonamentos que permitem diferenciar os valores em função da localização dos imóveis, se tenha ignorado este instrumento.
Os seguros de renda, anunciados há muitos meses como essenciais e obrigatórios, afinal não existem. É pertinente perguntar: não existem porque a sua criação está atrasada ou porque os valores dos prémios são tão elevados que a sua divulgação se tornou inoportuna?
Sabemos que desde 2013 e em especial nos últimos quatro anos, muita coisa mudou no imobiliário em Portugal. Surgiu uma nova procura em Lisboa e Porto, com grande capacidade de investimento, associada ao turismo e ao alojamento local. O governo e a atual maioria parlamentar alteraram radicalmente as regras do arrendamento urbano. Os preços subiram de forma avassaladora. A oferta de casas para arrendar teve uma queda superior a 60% em cinco anos. De 2013 para 2018 diminui de 45.061 casas para 17.933.
Quem governa não pode ignorar as alterações de circunstâncias que se verificam na economia e na sociedade e deve agir para as contrariar. Mas com esta governação, temos uma política irresponsável, que contribui para as agravar.
Como o governo não tem dinheiro para fazer investimento público, procura recorrer à iniciativa privada para compensar o défice de oferta para arrendamento que a sua política está a aumentar.
Se o programa de arrendamento acessível tivesse nascido há 4 anos, provavelmente teria uma adesão muito grande já que os benefícios fiscais seriam atractivos e o risco muito baixo. Mas a política entretanto desenvolvida, tornou-se uma ameaça para quem arrenda casa e um risco insuportável para quem pretende investir.
Estamos entregues a uma governação que não é confiável. Veja-se a forma como tratam a duração dos contratos de arrendamento. Nuns casos falam em despejos quando estes terminam, noutros alteram os prazos e adiam o seu termo e nalguns até os transformam em vitalícios.
Em vez de incentivarem o aumento da oferta, os anúncios e as iniciativas legislativas do governo e desta maioria tiveram um efeito perverso. Afastaram investidores, retraíram proprietários e consequentemente criaram a tempestade perfeita: escassez de casas e explosão nos preços.
Para os que procuram casa para arrendar, anunciam-se descontos e facilidades, mas encontrá-las será como procurar uma agulha num palheiro.
Para os proprietários, os benefícios fiscais são um isco que se transformarão a prazo num pesadelo. Não existe estabilidade fiscal e vive-se num permanente regabofe legislativo. Veja-se o recente anúncio de mais uma proposta para aumentar para 20 anos o prazo para reembolsar benefícios fiscais. E resta desejar que, nos próximos anos, não se confirme a ameaça de agravamento dos impostos sobre o imobiliário.
Uns e outros rapidamente perceberão que se tornaram figurantes numa nova versão do conto do vigário, onde todos são enganados. As casas e as rendas que procuram não existem e os benefícios fiscais prometidos não compensam os sarilhos em que se meteram.
Arquitecto, presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana de 2012 a 2017